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Brainspotting, um novo modelo de sintonia dual para a psicoterapia

Série de textos com tradução autorizada pelo autor para a distribuição pela associação


David Grand, Ph.D.

Traduzido por Norma

Revisão Priscila Leiko Fuzikawa



Resumo: Brainspotting (BSP) é um enfoque novo de tratamento que propõe que o campo visual pode ser usado para localizar posições oculares que se correlacionem de maneira relevante com as experiências neuronal e emocional internas. Uma vez localizadas, essas posições oculares, ou Brainspots (pontos cerebrais) podem levar – por meio da manutenção da fixação ocular – à resolução de questões armazenadas profundamente nas áreas nãoverbais, não-cognitivas do cérebro. O BSP utiliza tanto a ativação focada quanto a conscientização plena (mindfulness) focada como mecanismos de intervenção. O objetivo é conseguir a liberação completa e exaustiva da ativação contida no cérebro e no corpo. BSP é um modelo que incorpora ativação e recursos sistêmicos aplicados com base em considerações de diagnóstico e desenvolvimento. O modelo BSP é desenvolvido tanto de forma relacional quanto técnica, com fundamentos filosóficos e fisiológicos. É um modelo aberto, inclusivo que convida os terapeutas a fazerem uso de sua formação prévia e sabedoria advinda da experiência profissional.

Palavras-chave: posição ocular relevante, sintonia dual, reprocessamento neurológico, experiência somática, estimulação bilateral.


ANTECEDENTES


O Brainspotting (BSP) foi descoberto por David Grand Ph.D, autor deste artigo, em 2003. Este trabalho descreve com detalhes o descobrimento, assim como dá mais informações sobre o desenvolvimento atual do BSP do ponto de vista técnico, clínico, neurobiológico e filosófico (Grand, 2009). BSP é uma abordagem psicoterapêutica, que utiliza o campo visual para localizar “posições oculares relevantes” (ou Brainspots, pontos cerebrais) que se postula que se correlacionem com a estimulação neurológica e com a experiência interna. A fim de se determinar estas posições oculares, o cliente é guiado a um estado de “ativação focada” que, geralmente, se apresenta como resposta ao trauma psicológico ou a sintomas emocionais ou somáticos. Isso é avaliado num nível de ativação de 0 a 10 (de menor ao maior) através da escala SUDs (Subjetive Units of Disturbance Scale, Escala de Unidades Subjetivas de Perturbação), seguida da localização da maior ativação no corpo – exceto quando se utiliza o modelo de recurso -(Wolpe, 1969). Atualmente existem seis métodos diferentes (que serão tratados na parte principal deste artigo) para localizar as posições oculares. Uma vez determinadas, o cliente é orientado a observar sem críticas seu processo interno tal como ocorre sequencialmente, incluindo o afeto, a memória, a cognição e especialmente, as sensações corporais. Essa autoobservação chama-se “mindfulness focado (consciência plena focada), que é semelhante à meditação, porém se realiza em um estado de ativação focada. Em vários momentos, determinados pelo cliente ou pelo terapeuta, tem-se um breve diálogo, verificando a natureza do processamento. Em seguida, o terapeuta reorienta o cliente para a experiência no corpo, dando continuidade à auto-observação não-guiada. O processo continua até que o cliente chegue a um estado de resolução, determinado ao se retornar à questão original de ativação, sem a presença de qualquer ativação na escala SUDs. Isto é reforçado solicitando ao cliente que “esprema o limão”, tentando reativar internamente o nível de SUDs para novamente iniciar o processamento até que não possa mais ser reativado. A partir do diagnóstico, da complexidade da condição e da capacidade do cliente para processar, a resolução pode ocorrer em qualquer momento entre a primeira sessão e vários meses ou até anos de tratamento (Grand, 2009).


A DESCOBERTA DO BRAINSPOTTING


O BSP foi descoberto pelo autor em 2003 enquanto trabalhava com uma patinadora no gelo de 16 anos. Ela era atendida há um ano, em sessões semanais de 90 minutos, para questões importantes de desempenho que tinham qualidade dissociativa. Por exemplo, nos aquecimentos, antes de uma competição, ora se sentia como se houvesse esquecido o programa, ora dizia que não sentia as pernas. Em razão disso, seus desempenhos estavam muito abaixo de seu nível o que gerou uma incapacidade de competir a nível nacional à altura de seu talento. Durante o ano de tratamento o autor utilizou sua abordagem chamada “O Sistema Grand” (Grand, 2001) que incluía aspectos do EMDR – Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Shapiro, 2011), SE – Somatic Experiencing (Levine, 1997) micromovimentos e terapia psicodinâmica. Os fatores que desencadearam os problemas de desempenho da patinadora eram provenientes de uma série de traumas, que incluíam a rejeição materna, discórdia entre os pais que resultou em divórcio quando a cliente tinha seis anos de idade, assim como uma longa história de lesões esportivas, fracassos e humilhações. A maior parte do tratamento teve sucesso, mas houve algumas exceções, como por exemplo, a incapacidade de completar uma pirueta tripla.

Este salto não é o mais difícil para os patinadores de alto nível, como minha cliente, e sua incapacidade de realizá-lo a impediu de participar com sucesso tanto em programas curtos como longos. A cliente foi orientada a imaginar que realizava a pirueta tripla em câmera lenta, e a congelar a imagem no momento preciso no qual sentia e via que "as coisas começavam a dar errado” . Em seguida, foi orientada a seguir os dedos do autor que se moviam de um lado para outro cruzando seu campo visual. Depois de poucos movimentos, em um ponto um pouco fora do centro de seu campo visual, seus olhos tremeram em movimentos microssacádicos sustentados, e, em seguida, se fixaram em uma posição congelada. (Martinez-Conde & Macknik, 2007). Surpreendido por esta resposta, o autor reflexamente parou de mover os dedos, e os manteve diretamente em frente aos olhos imobilizados da cliente, a uns noventa centímetros de distância. Durante os 10 minutos seguintes se produziu uma torrente notável de processamento. Várias novas memórias traumáticas emergiram, e foram rapidamente processadas até a resolução. Porém, ainda mais surpreendente foi que um número significativo de traumas “resolvidos” foram reabertos e reprocessados em nível mais profundo. No final dos dez minutos, o processamento ficou mais lento e se completou, e o bloqueio ocular foi passou.

Decerto, esse foi um fato inusitado, mas foi reforçado na manhã seguinte quando a jovem patinadora ligou após o treino. Com entusiasmo informou ter realizado várias vezes a pirueta tripla sem nenhum problema. Nunca mais teve problemas com o salto. Isto chamou a atenção do autor que começou a buscar manifestações oculares semelhantes em outros clientes, enquanto rastreava lentamente através do campo visual deles. Quando as percebia, repetia o procedimento de manter seus dedos imóveis bem no ponto onde havia acontecido a anomalia. Não só lhe chamou a atenção uma aceleração e um aprofundamento dos processos, mas também foi surpreendido novamente pelos relatos dos clientes. Comentários como, “isto realmente é diferente”, “a sensação é muito mais profunda”, “posso senti-lo na parte posterior da minha cabeça”, “realmente sinto isso em meu corpo” surgiram de um amplo leque de clientes. Cabe destacar especialmente as declarações de clientes que também eram terapeutas, indicando que haviam observado uma experiência e resultados muito diferentes com esta nova abordagem. Além disso, com instruções do autor de como realizar a técnica, muitos desses terapeutas a aplicaram com seus próprios clientes e relataram experiências similares com resoluções mais rápidas e profundas. Assim, no percurso de um mês, o autor, a partir das suas próprias observações e do feedback de seus clientes terapeutas, determinou que havia encontrado um novo método e talvez um novo paradigma.


CONTINUIDADE DO DESENVOLVIMENTO DO BRAINSPOTTING


Durante os meses seguintes continuou aplicando o novo procedimento e se deu conta de que, quando parava o seguimento ocular horizontal no nível dos olhos no ponto onde observava qualquer resposta reflexa, obtinha um processamento profundo e acelerado similar. Esses reflexos incluíam piscadas, inspirações rápidas, tosse, engolir com força, movimentos da boca, abertura ou estreitamento dos olhos, inclinação da cabeça e mudanças na expressão facial, dentre outros. O autor achou estas novas manifestações tão curiosas quanto atrativas, pois tornavam sua exitosa habilidade de ajudar os clientes a processar questões até a resolução ainda mais potente e completa. Buscou um nome para este processo e chegou ao Brainspotting, reconhecendo que estes “pontos” no campo visual pareciam acessar locais e funções no cérebro. Ao longo dos seis meses seguintes, o autor aplicou cada vez mais sua nova técnica, acumulando evidências de sua eficácia com uma ampla variedade de clientes que apresentavam diferentes diagnósticos, históricos e sintomas. Parece que a contenção proporcionada pelo olhar fixo e a possível ativação neurológica focada concomitante logravam uma abordagem única para a cura emocional.

O autor reconheceu a necessidade de ter uma forma organizada, porém simples, de conseguir, no cliente, a ativação focada com a finalidade de iniciar uma atividade cerebral ótima, necessária para localizar com precisão as posições oculares relevantes. Assim, desenvolveu um processo simples de “preparação” para conseguir isso. Começava perguntando ao cliente se estava “ativado” em relação ao tema que queria trabalhar. Isso era avaliado através da escala SUDs (Subjective Units of Disturbance) que foi comentada anteriormente neste artigo (Wolpe, 1969). Se a ativação fosse insuficiente, o cliente era orientado a “ir para dentro de si mesmo e fazer o que fosse necessário para aumentar o nível de ativação”. Se fosse suficientemente alta, o SUDs era avaliado de zero (mais baixo) a dez (mais alto). O passo seguinte consistia em localizar a área de ativação no corpo observando "onde sente a ativação mais presente". Depois de alcançada a ativação focada, a preparação se completava com a localização do Brainspot no campo visual do cliente. Após a preparação, o cliente era guiado até o processo de mindfulness focado que finalmente leva ao ponto de resolução da questão que gerava a ativação.


BRAINSPOTTING DE JANELA EXTERNA E DE JANELA INTERNA


À medida que o processo de BSP continuava, o autor observava de perto e escutava atentamente as reações e o feedback dos clientes. Chamava a atenção o fato de que alguns clientes, que estavam sendo observados com relação a suas respostas reflexas, informaram sobre posições oculares que ressoavam com sua sensação interna. Eles guiaram o autor a pontos específicos onde sentiam a máxima ativação por meio de comentários como: “você acabou de passar do ponto”, ou “movimente a ponteira para lá”. Isto o surpreendeu, já que não havia considerado que os Brainspots podiam ser localizados pelos clientes a partir da experiência interna deles. Por conseguinte isto trouxe duas opções para localizar as posições oculares relevantes no eixo horizontal ao nível dos olhos. Chamou “Brainspots de Janela Externa” as localizações iniciais determinadas através da observação externa de respostas reflexas, e “Brainspots de Janela Interna” as localizações determinadas através da intensificação auto-observada do cliente. A fim de localizar estas posições oculares de Janela Interna, perguntava aos clientes se sentiam a máxima ativação ao olhar para a esquerda, centro ou direita, seguindo a ponteira que ele deslocava através do campo visual. Uma vez que a localização geral estava determinada, ia afinando para chegar à localização mais precisa de ativação. Porém, os clientes continuavam guiando-o não só à esquerda e direita, como também acima e abaixo do nível dos olhos. Esse desenvolvimento o levou a buscar primeiro os Brainspots ao longo do eixo horizontal X, e, em seguida, a explorar acima e abaixo no eixo Y em busca da máxima ativação percebida. Isso permitiu ao BSP passar de um processo unidimensional para duas dimensões.


FENOMENOLOGIA


O autor, antes do descobrimento de BSP, havia desenvolvido uma versão modificada do método de EMDR que designou como “Natural Flow EMDR” (Grand, 2001). Incorporou a maior parte desse enfoque no desenvolvimento do BSP. Os princípios básicos do enfoque Natural Flow incluíam o “modelo de não-suposição” ou fenomenologia (“observar tudo, não presumir nada”), o uso do recurso corporal proveniente da Experiência Somática (Levine, 1997), e movimentos oculares mais lentos e estimulação bilateral auditiva suave (Grand, 2002). Todos esses métodos eram adequados para o BSP e foram incorporados como tais.

A fenomenologia surgiu de décadas de experiência clínica observando como o inesperado sempre surge na sessão, junto com a quantidade crescente de informação sobre a infinitude do cérebro, e, assim sendo, sobre a impossibilidade de conhecê-lo através da observação externa. Este enfoque clínico / filosófico implicava rastrear ou seguir ao cliente onde quer que fosse em seu processo, sem crítica e sem expectativas. Este foi o reconhecimento da necessidade de não guiar o cliente, e de que seguir o processo não só implica atender os processos associativos, como também seguir a atividade neuronal. O autor observou que muitos pressupostos sutis estavam inclusos na maioria dos modelos clínicos, e que haviam se convertido em parte do treinamento e dos sistemas de crenças desenvolvidos por muitos terapeutas. Nos seus treinamentos, frequentemente desafiava os terapeutas que apresentavam análises acerca da situação de clientes perguntando “como pode saber isso?”

MODELO DE SINTONIA DUAL


BSP é visto como um “Modelo de Sintonia Dual” semelhante ao “Modelo de neurobiologia interpessoal” (Siegel, 2010). Isso implica a sintonia simultânea do modelo relacional, junto com a sintonia neurobiológica dos aspectos técnicos de localizar e usar os Brainspots.

Cabe ressaltar que o autor trabalhou 27 anos como psicoterapeuta de fundamento relacional antes do descobrimento do BSP. Sua formação original foi em psicanálise e psicoterapia psicodinâmica, desenvolvendo a habilidade de escuta sintonizada dos múltiplos níveis de comunicação dos clientes. Entretanto, o modelo analítico era demasiado estruturado, e ele começou a interagir de maneira mais aberta, flexível e acessível com os clientes. Isso ampliou o alcance de sua sintonia, da observação para a interação. As habilidades de sintonia de um psicoterapeuta vão se aprofundando e ampliando ao longo dos anos e décadas de pratica clínica, e são consideradas por muitos tanto uma arte como uma ciência. Consequentemente é interessante saber que o BSP foi descoberto e desenvolvido por um psicoterapeuta com mais de três décadas de experiência. A determinação de um Brainspot, descrito anteriormente como uma posição ocular relevante, é uma concepção muito técnica do ponto de vista neurobiológico. Em essência, não parece haver nada de psicológico nisso. É mais um processo no qual a máxima ativação é observada pelo terapeuta ou experimentada pelo cliente. Isso pode ser visto como algo semelhante a um exame médico. Deste ponto de vista privilegiado, o aspecto técnico do BSP é uma sintonia drasticamente diferente da sintonia relacional. O BSP, em contraste com muitos outros modelos neuro-técnicos, é conceituado e ensinado de um ponto de vista clínico. A relação terapêutica não está orientada ao serviço do BSP, mas é o BSP que serve e apoia a relação curativa. Entretanto, não se privilegia o poder da sintonia técnica, nem da relacional. A atenção à síntese dessas duas, o modelo de sintonia dual, é a condição sine qua non do BSP, portanto, a fonte do seu poder único.


MODELO INTEGRATIVO


O BSP é também único, na opinião do autor, pois é desenhado como um modelo integrativo. Muitas vezes as abordagens clínicas / técnicas são ensinadas desencorajando tudo o que não seja uma fidelidade ao modelo. Em outros enfoques a integração é tolerada com uma atitude de “tudo bem se você fizer isso”. Com BSP a integração não só é algo “permitido”, mas sim estimulado. Isto se encaixa com como a fenomenologia se aplica ao BSP, com o conhecimento de que o sistema humano é vasto demais para ser entendido de fora. Por causa disso não pode haver um único modelo que abranja este sistema. De fato, isto explica o porque do surgimento e a eficácia de tantos modelos da mente humana. Qualquer abordagem clínica pode ser utilizada com BSP ou em um Brainspot. De fato, a complexidade da resposta ao BSP faz necessário que o terapeuta seja muito versado em uma grande variedade de modalidades para compreender e responder ao indefinido ou imprevisto. Segundo o autor, alunos de diversas origens clínicas encontram no BSP um denominador comum que reflete seu caráter sintético.


NEUROFISIOLOGIA


Os mecanismos que regem o enfoque BSP ainda estão por ser compreendidos ou são conhecidos em âmbitos fora da base de conhecimento do autor. Sabe-se que o olho humano é uma extensão do cérebro. Contém cerca de 125 milhões de células nervosas sensíveis à luz (fotorreceptores) que geram sinais elétricos que permitem que o cérebro veja. Há tanto um sistema visual consciente como um inconsciente, e cada processo transcorre ao longo de vias separadas no cérebro. O sistema inconsciente guia a ação e o sistema consciente reconhece os objetos (Carter, 2009). Postula-se que com o BSP “aonde você olha afeta o que sentes” e que as diferentes posições oculares de alguma maneira se correlacionam com atividade neuronal específica e com a experiência interna. Parece também que, ao manter o olhar durante o estado de ativação focada em torno de um assunto, a atividade neuronal está mais focada, e conduz a um processamento mais econômico e a uma resolução da experiência interna tanto neuronal como das sensações sentidas. O autor, como muitos outros, acredita que as conexões neuronais estão orientadas à cura (Badenoch, 2008). Também acha que isto está impulsionado pelo instinto de sobrevivência que está na base de toda experiência animal e humana. Além disso, o autor crê que nada acontece no sistema humano que não afete todas as outras partes e a totalidade do sistema. Isto explica o porquê do BSP ter sido desenhado como um enfoque do cérebro/corpo. BSP também é relacional, entendendo que o apego original à mãe/cuidador(a) é o fundamento da relação terapêutica e subjacente a todo o desenvolvimento e cura psicofisiológicos.


O MODELO DE RECURSOS DO BRAINSPOTTING


O “Modelo de recursos” (“Resource Model”) é um aspecto essencial do BSP. Amplia a aplicação do BSP aos clientes mais traumatizados, dissociativos, com tendência a sentirem-se excessivamente assoberbados para utilizar as chamadas “terapias potentes”. O recurso corporal é central para o Modelo de Recurso do BSP. O uso do recurso corporal no BSP resulta das discussões do autor com Peter Levine, criador do modelo de Experiência Somática – Somatic Experiencing, SE (Levine, 1997). Levine questionou o EMDR por considerá-lo ativante demais, sobretudo na sua ênfase de ativação do corpo. Levine ensinou ao autor, como nos treinamentos de SE, a orientar os clientes até onde se sentissem mais tranqüilos e mais enraizado em seus corpos. O modelo de “pendulação” de Levine implica dedicar mais tempo e atenção aos recursos do corpo (“vórtice de cura”) e muito menos tempo às margens externas da ativação corporal (“vórtice do trauma”). No enfoque de Fluxo Natural (Natural Flow), o autor, na conclusão do protocolo de EMDR, orienta o terapeuta a passar da ativação corporal ao recurso corporal e a começar o processamento a partir daí. Isso resultou num processamento com menos ab-reação e mais tolerável para pacientes frágeis, altamente traumatizados e dissociativos. No BSP o autor observou que a contenção proporcionada ao olhar fixamente o Brainspot, nem sempre era suficiente para esses clientes que ficavam facilmente abalados. Ao incluir o recurso corporal enquanto se estava em um Brainspot, observou que muitos clientes podiam tolerar melhor a agitação emocional e a ativação corporal, e assim processar melhor e de maneira mais eficaz. Também se deu conta de que os Brainspots podiam ser determinados não apenas em correspondência com a ativação, como também localizados em consonância com a calma do corpo ou a sensação de enraizamento, e os chamou de “Pontos de Recurso”. Esse foi o princípio do “Modelo de Recurso do Brainspotting” que foi ampla e sistematicamente desenvolvido por Lisa Schwarz (Schwarz, 2010).


SOM BILATERAL


Outro aspecto que o autor incluiu do Natural Flow no BSP foi a utilização do som bilateral, proporcionado pelos seus CDs de BioLateral Sounds. Esses CDs foram desenvolvidos para trasladar suavemente, de um ouvido ao outro, sons naturais curativos e música lenta. Esses CDS usados continuamente eram o modo primário de estimulação bilateral utilizado pelo autor na sua versão de EMDR. Ele tinha interrompido o uso deles com a chegada do BSP, ao sentir que eram desnecessários devido à força de seu novo paradigma. Contudo, alguns clientes solicitaram também escutar o som durante o BSP. Para sua surpresa, o autor descobriu que, para a maioria dos clientes, os CDs lhes proporcionavam um “recurso auditivo” que aprofundava e apoiava o processo. Em resposta, aconselhou o resto de seus clientes a escutar o som durante o tratamento de BSP. As únicas exceções foram os clientes hiper-estimulados, para os quais até mesmo o modelo de recursos (2010) poderia ser um desafio para a sua capacidade de permanecer enraizados. É fundamental destacar que fazer BSP com CDs acessa e estimula, simultaneamente, tanto o sistema neurovisual quanto o neuroauditivo. A potência da dupla ativação sensorial e seus efeitos merece mais investigação e estudo.


BRAINSPOTTING DE UM SÓ OLHO


Conforme direcionado e desenvolvido pelo autor, BSP foi e continua sendo um modelo aberto, integrador e em constante evolução. Uma destas primeiras integrações foi o uso de Brainspotting “de um só olho”. Essa forma de trabalho foi adotada de Frederic Shiffer, quem determinou que cada hemisfério do cérebro era como uma personalidade separada (Shiffer, 1999). O acesso aos dois lados do cérebro através do sistema visual se produz de maneira cruzada com relação aos hemisférios. Por causa disso, desenvolveu óculos de proteção que limitavam a visão em um ou outro olho, de modo que, em cada caso, a luz entrava apenas da extrema esquerda ou da extrema direita, ativando o hemisfério oposto no cérebro. Ao trocar periodicamente os óculos, Schiffer observou uma resposta integradora que conduzia à resolução da questão. Antes do BSP o autor havia utilizado o modelo de Schiffer com resultados interessantes junto com os movimentos oculares e o som bilateral. Ele levantou a hipótese de que aplicar o BSP no olho mais ativo focalizaria ainda mais o poder de seu método quando fosse necessário. Mas teve que desenvolver óculos modificados, pois a versão de Schiffer cobria a maior parte do campo visual, o que impossibilitava o Brainspotting. Em contraposição, os óculos de BSP foram desenhados para ocultar 50% do campo visual, ou um olho, ou o outro. A fim de determinar qual dos olhos tinha maior nível de ativação pediu aos seus clientes que, cobrissem, alternadamente, cada olho para avaliar, com a escala SUDS, o nível de ativação do olho aberto. O olho com o SUDS mais alto foi chamado “olho de ativação” e o olho com o SUDS mais baixo “olho de recurso”. Uma vez determinado o olho de ativação, os óculos adequados eram colocados, deixando exposto o olho de ativação. Utilizou-se o BSP de Janela Interna para encontrar o ponto de máxima ativação no olho de ativação. Utilizavase a abordagem com um olho quando o cliente manifestava um processamento lento, ou em casos de condições emocionais imprecisas como transtorno de ansiedade generalizada, depressão crônica ou condições físicas como a síndrome de fadiga crônica ou a fibromialgia. Inicialmente, o autor supôs que quando se processava o nível SUDS até zero, o processo já estava completo. Porém, se deu conta de que podia ser que faltasse algo, e começou a checar o olho de recurso depois de ter alcançado o nível SUDS zero no olho de ativação. Observou que, na maioria dos casos, estava presente uma ativação adicional e que seria necessário determinar um novo Brainspot neste olho secundário. Ocasionalmente o nível SUDS no “olho de recurso” saltou para 7, 8 ou 9 e demandou um tempo considerável de processamento até chegar a zero.


ESPREMER O LIMÃO


Outra observação feita pelo autor foi que um nível zero de SUDS não era um zero verdadeiro. Desenvolveu um procedimento que chamou “espremer o limão” no qual guiava o cliente, uma vez alcançado o zero, a "ir para dentro, e fazer o que fosse necessário” a fim de reativar o nível do SUDS. Em seguida, continuava o processamento até o zero no Brainspot original. Isto se repetia até que não se podia mais gerar a ativação. O processo de “espremer o limão” revelou que existia material ainda não processado, apesar de se ter alcançado o nível zero original. Esse aprofundamento através da técnica de “espremer o limão” também reduziu o número de ocasiões nas quais o efeito do processamento desaparecia nos dias seguintes à sessão do cliente, levando ao retorno da ativação.

Até agora o autor articulou três formas de localizar os Brainspots que são: Janela

Externa, Janela Interna e através do BSP de um só olho. As três restantes que se discutirão são BSP de Rolamento (Rolling BSP), BSP de eixo Z e BSP de Mirada (Gazespotting).

Falaremos sobre elas na sequência em que foram descobertas e desenvolvidas.


BRAINSPOTTING DE ROLAMENTO


O BSP de Rolamento (Rolling BSP) é uma forma versátil de utilizar os Brainspots de Janela Externa. Realiza-se de maneira semlhante a como se localizam e assinalam os Brainspots de Janela Externa inicialmente. Isso implica um acompanhamento ocular lento, seguindo o eixo horizontal, através do campo visual do cliente, parando em cada ponto onde se expressa um reflexo. Este procedimento, na Janela Externa, é utilizado para determinar um ponto onde os olhos ficarão fixados durante todo o processamento até que toda a ativação seja liberada. No BSP de Rolamento, o movimento de Brainspot a Brainspot continua durante todo o processamento até que se tenha conseguido descarregar. A quantidade de tempo que se detém em cada ponto reflexo pode variar de alguns minutos a uma pausa momentânea. Isso é determinado pela resposta do cliente e pelo propósito com que se utiliza esta técnica. Postula-se que, mediante o uso de BSP de Rolamento, o fluxo do movimento de Brainspot a Brainspot será mais ativo, integrador e completo. Ademais, alguns clientes parecem responder melhor ao BSP de Rolamento enquanto outros simplesmente o preferem. Embora a aplicação individual varie de terapeuta para terapeuta, e de cliente para cliente, o modelo tradicional de Brainspotting de Rolamento envolve, inicialmente, dedicar mais tempo a cada ponto (um a cinco minutos), e pouco a pouco ir diminuindo a quantidade de tempo à medida que o processo continua.

A teoria é que, no começo do processo, o objetivo é alcançar a maior profundidade de processamento, e que à medida que este prossegue, o objetivo passa a ser o aumento do movimento. Seguindo o modelo de sintonia dual, nada está predeterminado, e o papel do terapeuta é seguir o processo do cliente, e responder de acordo com a resposta que o cliente dá ao movimento de um ponto a outro, e às outras interações do terapeuta com o cliente. O BSP de Rolamento pode também ser utilizado como um método para completar as versões mais estáticas de BSP. Ele, às vezes, revela uma posição ocular que ainda apresenta certo nível de material não liberado e que pode ser mais completamente processado. Em outras ocasiões, o BSP de Rolamento serve para integrar e aprofundar o processo que se completou em outro Brainspot.


BRAINSPOTTING DE EIXO Z


O BSP do eixo Z traz a terceira dimensão de profundidade à localização das posições oculares. A Janela Interna primeiro explora o eixo horizontal, ou eixo X, seguido pelo eixo vertical ou Y, em busca do nível máximo de ativação ou recurso. Mas, a exploração da diferença entre perto e longe fica ainda por ser explorarada no Brainspot, depois que este tenha sido localizado. Observou-se que a maioria dos clientes apresentará maior ou menor ativação dependendo se olham a ponteira localizada de 120 a 180 centímetros na frente de seus olhos em contraposição a olhar através da ponteira até a parede do fundo, que pode estar a qualquer distancia além da ponteira. Frequentemente o ponto mais afastado no eixo Z tem menor ativação do que olhando mais perto para a ponteira. Talvez a percepção de que um objeto mais afastado gera menor ativação esteja baseada na experiência profundamente arraigada de que quanto mais longe o perigo, melhor. Mais especulativo ainda, é o fato de que quando um ponto mais longe gera maior ativação, o cliente pode ter questões de apego importantes, que desencadeiam a percepção de que o(a) cuidador(a) está mais fora do alcance. De qualquer maneira, o BSP de eixo Z é uma forma de separar a diferença entre a percepção de perto e longe em posições oculares que detém o nível mais alto ou mais baixo de ativação para o cliente. Observa-se que a qualidade, a profundidade e a intensidade são diferentes entre perto e longe, e nível mais alto e mais baixo de ativação. Ensina-se os alunos de BSP a começar o processamento com o ponto do eixo Z de menor ativação.

Por exemplo, se um cliente está processando um acidente de trânsito, pode ter um SUDS de oito ao olhar para um Brainspot de Janela Interna, e um SUDS de quatro ao olhar através da ponteira para a parede do fundo. Observou-se que o processamento durante cinco ou dez minutos na distância como o SUDS menor frequentemente resulta em um movimento mais rápido. Também se observou que quando, posteriormente, se volta para a distância de SUDs maior, o SUDs geralmente diminuiu, e o processamento continua com maior fluidez. Voltando ao exemplo do acidente de trânsito, após trabalhar no ponto afastado que se iniciou com um SUDs de quatro, quando se volta de novo ao ponto mais próximo, o SUDs pode ter diminuído de oito para cinco ou seis. Isso tende a conduzir a um processamento mais ativo do que se o ponto mais próximo fosse focalizado desde o princípio. Em seguida, continuar com o processamento no ponto mais próximo, durante cinco ou dez minutos, habitualmente diminui ainda mais o SUDs. Nesse momento, voltando sobre o eixo Z ao ponto afastado, frequentemente se observa que a ativação está diminuindo e se produz um movimento mais fluido. Este processamento para frente e para trás continua até que ambas as distâncias cheguem a uma descarga completa e à resolução do assunto original.

A escolha de BSP do eixo Z, ou, na realidade, a escolha de qualquer uma das seis modalidades de BSP, é determinada pela experimentação e pela experiência do terapeuta. Observou-se, em reiteradas ocasiões, que alguns clientes que respondiam muito pouco à Janela Interna mostravam um notável aumento no processamento afetivo, quando se incorporou o eixo Z. No exercício profissional, o autor observou que alguns clientes, muitas vezes aqueles com dissociação, alcançavam grandes avanços com o eixo Z que eram surpreendentes e não haviam sido alcançados com nenhuma outra forma de BSP.

BRAINSPOTTING DE MIRADA


O sexto tipo de BSP é o BSP de Mirada (Gazespotting). Esse enfoque faz uso da nossa tendência natural de olhar fixamente (em inglês “gaze”) diferentes pontos no nosso campo visual, quando falamos sobre questões que possuem carga emocional. Quando se observa, parece que o cliente está realmente falando para o ponto, sem se darem conta de seu comportamento. O autor, depois de cinco anos realizando BSP, tomou consciência deste fenômeno, e se perguntou o que ocorreria se os clientes continuassem olhando fixamente para esses pontos enquanto observavam seu processamento interno. Observou uma resposta que era tanto natural como única. Embora em geral resultasse menos ativador que a Janela Interna ou Externa, era potente e profunda. Esse método foi nomeado BSP de Mirada e foi institucionalizado como a sexta via para localizar posições oculares relevantes. É a única forma de BSP na qual o cliente escolhe seu próprio ponto de forma intuitiva e inconsciente. Salvo algumas exceções, tende a ser mais suave e recursado, em comparação com pontos mais ativadores. O BSP de Mirada também é uma boa introdução para novos clientes de BSP, já que não recorre à ponteira, nem ao processo de preparação que pode parecer estranho para o cliente que ainda não experimentou o poderoso efeito do BSP.


O FUTURO DO BRAINSPOTITNG


Olhando para o futuro, BSP é um modelo aberto, em rápida evolução. Quando este artigo for publicado é possível que novas aplicações possam estar sendo desenvolvidas. O sistema do corpo humano é tão infinitamente vasto e complexo que o fato de sintonizar com suas expressões conduziu sempre a novas descobertas e perspectivas. Como o BSP se encontra no seu sétimo ano, ainda está na infância e espera-se que amadureça e encontre seu lugar entre os muitos outros métodos de tratamento validados. Embora a maior parte do que se apresentou neste artigo tenha sido descoberta e desenvolvida pelo autor, o BSP recebe cada vez mais contribuições dos mais de 2.500 terapeutas já treinados em todo o mundo até o momento. Enquanto este artigo é escrito, se planejam e iniciam uma variedade de projetos de pesquisa. Isso inclui um estudo que faz uma comparação cruzada da efetividade do BSP em relação a outros métodos terapêuticos, um estudo de ressonância magnética funcional e uma investigação de observação da área da pupila. Na opinião do autor, as abrangentes investigações em curso são importantes não só para entender e validar o BSP, como também para compreender melhor os mecanismos interativos do olho e do cérebro. Concluindo, a força do BSP se verifica no modelo de sintonia dual que integra a sabedoria relacional dos anos de exercício profissional com os conhecimentos atuais e futuros sobre o cérebro e sua capacidade genial de auto-observação e autocura.



REFERÊNCIAS

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Carter, R. (2009) The Human Brain Book. New York: DK Publishers.

Grand, D. (1999) Defining and Redefining EMDR. New York: BioLateral Books.

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Grand, D. (2002) Treating survivors of the world trade center disaster with natural flow EMDR resourcing, EMDRIA Conference Lecture.

Grand, D. (2009) Brainspotting Phase One Training Manual

Grand, D. (2009) Brainspotting Phase Two Training Manual

Levine, P. (1997) Waking the Tiger. Berkeley, CA: North Atlantic Books.

Martinez-Conde, S. & Macknik, L. (2007) Windows on the mind. Scientific American, 5663, (August 2007).

Scaer, R. (2005) The Trauma Spectrum, Hidden Wounds and Human Resiliency. New York: Norton Books.

Schiffer, F. (1999) Of Two Minds. London: Simon & Schuster

Schwarz, L. (2010) Brainspotting with issues of attachment and dissociation. Brainspotting training.

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Wolpe, J. (1969) The Practice of Behavior Therapy. New York: Pergamon Press.


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