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Série de textos com tradução autorizada pelo autor para a distribuição pela associação.



Traduzido por Priscila Leiko Fuzikawa




Tami Simon: Você está ouvindo Insights at the Edge. Hoje eu falo com o Dr. David Grand. David é um psicoterapeuta, escritor, palestrante, coach de performance, e um humanitário famoso pela descoberta e desenvolvimento do método Brainspotting, reconhecido internacionalmente. Ele é autor do livro inovador Cura em Velocidade Máxima, e já foi entrevistado na CNN, NBC e Nightline pelo enorme sucesso em curar vítimas de trauma. Com Sounds True, David acaba de lançar seu novo livro Brainspotting: a nova terapia revolucionária para mudança rápida e efetiva.


Nesse episódio de Insights at the Edge, David Grand e eu falamos sobre o que é o Brainspotting exatamente. Falamos sobre um exercício simples de auto-Brainspotting que você pode experimentar agora mesmo. David explicou um dos princípios nucleares do Brainspotting – onde você olha afeta como você se sente – e discutiu uma situação onde ele foi cliente e se submeteu à terapia com Brainspotting. Finalmente, David falou sobre algumas inovações futuras do Brainspotting, e porque ele é tão apaixonado por avançar o campo de terapias baseadas no cérebro. Aqui está minha conversa com o Dr. David Grand.


O Brainspotting é conhecido como uma terapia baseada no cérebro, e gostaria de saber, para começar nossa conversa, David, se você poderia ajudar nossos ouvintes a entender toda essa categoria de terapias baseadas no cérebro.


David Grand: Quando me formei, nas décadas de 70 e 80, tudo era colocado no contexto da mente. E eu sempre me perguntava, “Bem, onde fica a mente?” E já naqueles tempos eu pensava: “Tem que estar no cérebro.” E a década de 90 tornou-se a década do cérebro, onde realmente viemos a entender muitas coisas sobre ele que não compreendíamos antes. A partir daí essas informações começaram a se infiltrar na prática da psicoterapia em termos de se compreender o que estava acontecendo durante a psicoterapia.


Mas a evolução da terapia baseada no cérebro não é apenas questão de se compreender o que possa estar acontecendo no cérebro do cliente durante o processo de terapia, mas em realmente envolvê-los nesse processo. Em outras palavras, educar o cliente em relação ao cérebro, até mesmo estimulá-lo a ler livros ou procurar informações na internet. E, enquanto o processo está acontecendo, dizer: “Bem, é aqui que isso está acontecendo em seu cérebro, isso é o que está acontecendo no cérebro, e isso explicaria alguns do sintomas ou reações que você tem.”


E o que é realmente interessante é que as pessoas realmente gostam disso. Elas realmente se identificam com isso. E é como se o cérebro compreendesse a si mesmo. Então no processo de terapia, e, na realidade, em outras formas de trabalho que faço com performance e criatividade, quando você descreve e educa e envolve o cérebro da pessoa à sua frente, você pode realmente fazer muito mais, e o processo pode ser mais poderoso e focado.


TS: Então vamos fingir que sou uma de suas clientes, e quero entender mais sobre como meu cérebro está funcionando, e como o Brainspotting vai trabalhar com meu cérebro para me ajudar. Você pode me explicar? Eu não sei muito a respeito de ciências do cérebro – por onde você começaria?


DG: Bem, em se tratando de Brainspotting, o lema é: “Onde você olha afeta como você se sente.” E, especificamente, quando pensamos sobre algo que tenha algum significado para nós, ou que nos ative de alguma maneira, se olhamos para a esquerda ou para a direita enquanto pensamos sobre isso, ou enquanto fazemos contato com os sentimentos, a sensação é diferente.


Se olhamos para cima ou para baixo também é diferente. Sentimos diferente – geralmente de um lado é mais intenso, e do outro lado é menos intenso. De um lado, está mais na nossa cara; do outro lado, temos uma visão mais ampla da questão. E isso é porque nosso campo de visão é um reflexo de nossos processos cerebrais internos.


Então, com o Brainspotting, literalmente usamos onde a pessoa olha para encontrar onde ela está contendo seus traumas, onde está contendo seus sintomas, suas crenças negativas sobre si mesma, ou qualquer coisa dessa natureza. E uma vez que encontramos esse lugar, focamos nele e pedimos pra pessoa simplesmente olhar – geralmente usamos uma ponteira – olhar para a ponta da ponteira, e estar plenamente consciente (mindfully conscious) do que está acontecendo dentro dela, especialmente se sintonizando com o que está sentindo no corpo, porque o corpo é um reflexo do que está acontecendo no cérebro. Gosto de dizer que o que está no cérebro está no corpo, e o que está no corpo está no cérebro.


Além disso, em relação a uma abordagem baseada no cérebro mais específica, o que explico para as pessoas é que temos diferentes níveis de consciência, o que todos sabemos. Mas a consciência do córtex pré-frontal esquerdo – que é a parte esquerda do cérebro, na frente, onde acontece a maior parte do pensamento e do raciocínio, e de nossa consciência – nos traz a sensação de quem somos. E o resto do cérebro nem está lá, ou é uma outra coisa ou pessoa – assim como não necessariamente sintonizamos nosso corpo como sendo parte de nós mesmos.


Mas o que gosto de fazer é explicar para as pessoas que, com o Brainspotting, estamos evitando essa parte pensante do cérebro, aquela parte pré-frontal esquerda, e conseguimos acessar o cérebro direito, que é mais o cérebro mais intuitivo e baseado no corpo, e acessar o mesencéfalo, que é conhecido como o cérebro límbico ou cérebro mamífero. É ali que o sistema de luta-fuga-alarme acontece. E, mais do que isso, de algumas formas, acessar até o tronco cerebral rombencéfalo, que é também conhecido como o cérebro reptiliano.


Então quando fazemos o Brainspotting educamos a pessoa em relação ao que realmente está acontecendo no cérebro dela. Uma das coisas que acontece no Brainspotting é o que chamamos de processamento, e eu chamo isso de atenção plena focada (focused mindfulness), que é quando uma pessoa está – vamos dizer que uma pessoa esteja pensando sobre um trauma que ocorreu quando tinha 5 anos de idade, e encontramos aquele ponto, que está localizado acima e à direita dela. Ela está olhando para esse ponto, e consciente de que ela sente que tem um peso no peito.


O processamento que acontece, a atenção plena focada, é o acompanhamento do processo interno da pessoa sem julgamento, e, frequentemente, consiste em pensamentos, ou sentimentos, ou lembranças. Mas ele pode ir para vários lugares, pode ir para coisas que parecem não ter relação alguma com o que a pessoa pensou inicialmente. E as pessoas frequentemente pensam: “Ah, não estou fazendo isso direito” ou “O que está acontecendo? Estou confusa.”


O que eu explico para as pessoas é que nesse processo de atenção plena focada, olhando para o ponto, que o cérebro consciente e pensante da pessoa está observando o cérebro mais profundo, inconsciente. Eles está observando o funcionamento dessa parte mais profunda do cérebro. E que literalmente eles estão viajando, descendo por caminhos neurais que são imprevisíveis e um tanto misteriosos para nosso Eu consciente. Mas ao fazer isso, estamos na realidade observando o cérebro processar a experiência, e vendo o cérebro se curar.


TS: Agora, David, me ajude a entender isso. Você está dizendo que eu entro, sou uma cliente, e tenho algum tipo de trauma passado, e que, me ajudando a olhar para um ponto específico – então você está me ajudando a identificar um ponto específico no campo visual – que há uma relação entre eu olhar esse ponto e o trauma que está sendo contido no meu corpo e no cérebro? Não está muito clara pra mim qual é a relação entre o lugar do campo visual para onde estou olhando e a experiência traumática contida no corpo e no cérebro.


DG: Deixe-me começar falando um pouco sobre trauma, e então posso lhe dar a ma explicação melhor sobre isso. O cérebro é uma máquina de processamento. É feito para processar as infinitas experiências que temos o tempo todo. Experiências traumáticas, principalmente na infância, sobrecarregam o mecanismo de processamento, o que significa que partes da experiência traumática ficam sem processar ou congeladas em diferentes partes do cérebro.


Robert Scaer, que é um grande especialista nesses assuntos, criou o conceito de “cápsulas de trauma”. Gosto de dizer que são quase como cápsulas do tempo, porque ficam congeladas no tempo e espaço em diferentes lugares do cérebro. Não é exatamente tão literal quanto isso, mas numa perspectiva funcional, é assim que acontece. Então existem cápsulas de trauma de experiências traumáticas congeladas que ficaram sem processar, não-resolvidas no cérebro.


Agora, se uma pessoa está falando sobre quando o pai dela saiu e não voltou, quando tinha cinco anos de idade, e isso marcou a vida da pessoa, essa informação está contida em determinadas cápsulas de trauma no cérebro dessa pessoa. Quando peço para pessoa fazer contato com esta lembrança, pergunto: “O quanto isso te ativa, de zero a dez?” Vamos dizer que seja um sete.

Lentamente, vamos a diferentes lugares no campo visual da pessoa, e pergunto a ela: “Onde você sente isso mais? Onde você fica mais ativado?” E de novo, vamos dizer, nesse caso, seja à direita em baixo. Literalmente, quando levamos a ponteira até lá, a pessoa vai sentir – é quase como uma carga– e sentir com muita especificidade. E fazendo isso, aquele ponto para o qual estão olhando, à direita e para baixo, revela es se correlaciona com uma cápsula de trauma, ou com várias cápsulas de trauma que estão alojadas no cérebro da pessoa.

Quando uma pessoa continua a olhar para a ponteira, o que está acontecendo é que o cérebro mantém o foco naquela cápsula de trauma, e toda a atenção e processamento que estiver acontecendo não está acontecendo no cérebro inteiro. Está alcançando aquela região encapsulada do cérebro, que então tem a oportunidade de processar aquela experiência de uma forma que não foi possível da primeira vez.


Literalmente, pode-se liberar aquela cápsula de trauma, e ela se tornar uma parte do cérebro normal, integrada, deixando de ser um trauma e se tornando uma lembrança – deixar de ser algo que tem uma carga, e que parece estar acontecendo no momento, para “Bem, aconteceu comigo, mas está no passado, eu sobrevivi e segui em frente.”


TS: Então normalmente essas cápsulas de trauma estão escondidas de nossa consciência, mas há algo que acontece no processo de Brainspotting, usando essa técnica que revela a cápsula? Como isso funciona?


DG: Bem, as pessoas frequentemente tem a ideia errada de que quando foram traumatizadas, jamais superarão o trauma. Uma das coisas clássicas que se diz sobre uma imagem ou um som é: “Vou ter que ver isso, ou ouvir isso, ou sentir isso, pelo resto de minha vida”. O que essas pessoas estão realmente fazendo é apenas se conectando com aquela informação congelada na cápsula de trauma. E se uma pessoa vai para uma terapia verbal, ela entra pelas áreas de linguagem, conscientes, do cérebro, que realmente não chegam até onde estão as cápsulas de trauma.


Quando exploramos o campo visual de uma pessoa, e encontramos onde aquele ponto, ou brainspot está, possibilitamos que o cérebro encontre essa cápsula, o que ele não tinha conseguido fazer até então. E isso permite que o cérebro a compreenda, processando essa experiência da forma que teria acontecido se ela não tivesse sobrecarregado essa pessoa, principalmente em etapas precoces de sua vida.


TS: Há alguma maneira que alguém que esteja nos ouvindo agora possa fazer algum tipo de experiência com o campo visual dela, para que possa sentir um pouco o que você está falando?


DG: Bem, acho que a primeira coisa que vou dizer é que os seres humanos estão sempre fazendo Brainspotting. Só que não sabemos disso. E, ironicamente, as pessoas estão fazendo Brainspotting mesmo durante uma sessão de psicoterapia, só que o terapeuta não percebe. O que quero dizer com isso é que estamos olhando em direções diferentes, para pontos diferentes, quando estamos pensando ou falando sobre algo. No Brainspotting chamamos isso de Ponto de Mirada.


Então se um cliente está sentado à minha frente e falando sobre algo que a sobrecarrega, e a incomoda todos os dias, e, enquanto faz isso, está olhando bem para um ponto no chão – ela está realmente olhando para ele, quase que fazendo um buraco no chão – o que está acontecendo nesse momento é que ela está me revelando que há algo ali, bem naquele ponto de seu campo visual.


Voltando alguns passos – quando eu digo que fazemos isso o tempo todo, se você começar a pensar em algo, e então se der conta de que você está olhando para um ponto na parede, e não há razão para você olhar para esse ponto, você está naturalmente, intuitivamente fazendo Brainspotting. Quando você faz isso, tudo o que tem a fazer é continuar olhando para esse ponto – uma vez que você tenha descoberto conscientemente que está fazendo isso – e observar para onde vai seu processo interno. Quase sempre é uma experiência frutífera, que revela experiência interna.


Mas, mais especificamente do que isso – só pra experimentar– qualquer pessoa que estiver nos escutando pode pensar em algo que o incomode. Não queremos que a pessoa pegue um trauma de vida importante que estão carregando e que os sobrecarrega. Apenas alguma coisa que o está incomodando naquele dia, e olhe para a direita. O que significa, apenas encontre alguma coisa – pode ser uma lâmpada, maçaneta de porta, ou outra coisa – e olhe para ela, e pense sobre essa coisa que o está incomodando, e percebam como sentem esse incômodo em seu corpo. E então, depois de fazer isso por 10 segundos, olhe para alguma coisa à esquerda, fixe seu olhar nela, e pense no que o está incomodando.


E apenas perceba a diferença entre como você se sente ao olhar para a direita e ao olhar para a esquerda. A melhor maneira de medir isso é o que você sente no seu corpo, se você sente uma ativação em seu corpo em seu peito, suas costas, sua cabeça, ou algo assim, ou se a sensação é mais de liberação ou de calma em seu corpo.


Fazendo essa experiência – as pessoas podem estar fazendo isso agora, enquanto falamos – o ponto onde você se sente mais ativado, à direita ou à esquerda, é um Brainspot. Ele revela onde algo está sendo contido no seu cérebro que está alimentando essa coisa que está te incomodando.


E uma forma de dar mais um passo nessa experiência, é continuar a olhar para esse ponto, e da mesma forma que faz quando medita, com atenção plena focada, observar onde vai seu pensamento, passo por passo por passo. Mas é realmente importante não julgar o processo, não colocar expectativas sobre ele, não ser crítico em relação a ele. Se sua mente ficar pulando pra todo lado, é natural. Se você começar a pensar sobre coisas aparentemente não relacionadas, ou sobre uma lista de compras, tudo faz parte do processamento cerebral.


Então se você apenas fica com isso. Se você ficar com isso por um minuto, três minutos, cinco minutos, e observar pra onde isso vai, e depois voltar a pensar sobre o que o estava incomodando, você geralmente vai verificar que houve uma mudança – talvez uma mudança muito pequena e sutil, ou talvez uma mudança mais notável – em como você sente isso agora. Essa é uma mini experiência de auto-Brainspotting.


TS: E quando você diz para procurar o ponto no campo visual – ou à esquerda ou à direita, ou escaneando da esquerda para a direita – onde você sente isso mais, o que você quer dizer com “sente isso mais”? Posso me sentir em paz ou posso me sentir agitada? O que devo procurar?


DG: Bem, para uma auto-experiência básica, ou apenas pra saber qual é a sensação, geralmente procuramos o ponto onde você sente isso mais.


TS: Onde sinto mais a perturbação interior?


DG: Uso o termo “ativação”, pois ele é um termo que abrange tudo. Se dissermos “perturbação”, significa uma coisa diferente pra cada pessoa. Ativação significa apenas onde seu cérebro e corpo se sentem ativados – onde você sente algo.


Usamos uma escala de zero a dez, e isso pode ser útil naquele auto-exercício. Isso vem de Joseph Wolpe, que era um comportamentalista famoso, onde zero é onde você não sente nada, onde se sente totalmente neutro. Dez significa onde você sente isso no máximo. E qualquer que seja a intensidade entre esses extremos, ele atribui um número a ela.


Então uma forma simples de avaliar onde você sente isso mais é avaliar a ativação em relação à questão percebendo como se sente emocionalmente, corporalmente. Quando você olha pra esquerda, você pode dizer: “Ah, é um cinco aqui”. Então você olha para a direita, e a ativação pula para oito. Numericamente é uma boa forma para identificar rapidamente a diferença entre onde você sente isso mais e onde você sente isso menos.


TS: Agora estou curiosa em relação a algo que você disse sobre estarmos fazendo Brainspotting o tempo todo, porque uma das coisas que notei é que frequentemente me pego olhando pro vazio em determinada direção. Isso chega ao ponto de meu companheiro dizer pra mim, “Você está encarando aquela pessoa.” E eu digo, “Nem estou olhando pra ela. Só estou olhando.” Mas não estou necessariamente ativada nesse momento. Estou num estado meio onírico. O que está acontecendo nessa situação? Tem alguma coisa a ver com Brainspotting?


DG: Com certeza. Em um consultório de psicoterapia, as pessoas trazem o que as está incomodando. Então, de forma geral, algo que o incomoda é algo que, quando acontece ou quando você pensa sobre ele, te faz se sentir desconfortável. Eu gosto do usar o termo técnico “mal”. Te faz sentir mal. Mas o campo visual revela muitos tipos de coisas diferentes em pontos diferentes.


Trabalho com pessoas no campo da criatividade, e localizamos o ponto da criatividade onde se sentem mais criativos. Também podemos trabalhar com pessoas a partir do que chamamos de modelo de recurso, que é encontrar o ponto onde a pessoa se sente mais calma e centrada.


O que você está falando, quando você está olhando pro nada, não é de forma alguma aleatório. O que realmente está acontecendo é que algo em relação àquele ponto está te permitindo olhar para seu próprio espaço interno. Você está refletindo sobre algo muito profundo sobre o qual você nem mesmo tem consciência. E se você se sente meio boiando ou à deriva, ou mesmo nem sabe sobre o que você está pensando, é porque você está no cérebro direito, ou você está no mesencéfalo, ou no rombencéfalo que não têm pensamento nem linguagem. Tem apenas um senso intuitivo das coisas.


Então o campo visual está repleto de posições oculares significativas, e nem todas elas se correlacionam com coisas negativas. Podem se correlacionar a coisas neutras, ou a coisas de interesse, ou a coisas que nos fazem introspectivos. Nosso campo visual revela nosso campo interno, que é o cérebro.


TS: Acho que a parte de tudo isso que ainda me parece muito misteriosa é entender como a posição dos olhos, ou seja lá o que for que eu esteja olhando, está relacionada à atividade cerebral, e a relação entre essas duas coisas. Isso ainda não está claro para mim.


DG: Bem, em termos simples, com o conhecimento mais rudimentar sobre o cérebro e sobre a atividade cerebral, é razoável pensar que se você olhar para a direita ou para a esquerda, seu cérebro não vai ser exatamente igual olhando para duas posições diferentes, principalmente quando essas posições são bem distintas.


O cérebro está sempre ativo, está sempre procurando de diferentes maneiras. Então, literalmente, seu cérebro – se você fizer um escaneamento cerebral de alguém que olha para a direita ou para a esquerda, não vai ter a mesma aparência. Uma mudança na posição ocular se correlaciona com uma mudança na atividade cerebral.


Mas isso não é apenas porque somos seres humanos. Parte disso é por sermos membros do reino animal. Se você olha para animais e vê como eles escaneiam, o que eles estão fazendo, na realidade, é se orientarem em relação ao ambiente. E se orientar em relação a seu ambiente – os humanos fazem isso principalmente por meio da visão, e para a maioria dos animais a visão é uma parte importante desse processo.


Então estamos programados para nos orientarmos – para a esquerda, para a direita, para cima, para baixo, à nossa frente, até mesmo atrás de nós. Então a capacidade de nos orientarmos em relação ao ambiente externo, que na realidade toca em nossa orientação em relação a nosso ambiente interno, faz parte de pertencer ao reino animal. Normalmente, ao nos orientarmos, estamos nos orientando em relação a duas coisas: ou ao perigo, que nos mostra que há um tigre vindo da esquerda, ou um carro, ou táxi – falando de Manhattan, um taxi vindo em nossa direção a partir da esquerda; ou estamos nos orientando em relação à segurança ou cuidado, como por exemplo, em relação à comida ou a outras pessoas com quem temos ligação.


Então somos programados para nos orientar em relação ao campo visual, e em relação ao ambiente como um todo. Isso é umas das razões pelas quais a direção pra onde olhamos revela tanto sobre como nos sentimos e sobre o que está acontecendo dentro da gente.


TS: Agora, David, é justo dizer que você “descobriu” o Brainspotting, e que você o descobriu em determinado ponto de sua carreira em 2003. Será que você pode nos contar sobre isso? Como foi que você descobriu o que parece ser uma inovação muito importante, e essa descoberta foi confirmada por outras pessoas, outros pesquisadores, outros profissionais?


DG: Descobri o Brainspotting – e, na realidade, não descobri nada. Olhar para diferentes direções tem sido usado com outras técnicas: PNL, hipnose, etc. Mas também a direção de nosso olhar foi usado por curandeiros antigos e xamãs, então eu realmente não descobri nada. Eu apenas tropecei sobre algo que estava bem na frente de meu nariz, e reconheci que havia algo nisso que eu poderia utilizar.


Eu estava fazendo uma versão do EMDR, que significa Eye Movement Desensitization Reprocessing. Quando digo que estava fazendo minha própria versão, estava fazendo movimentos oculares bem lentos com uma mulher que era patinadora de gelo. E estávamos tentando avançar em relação a uma última coisa que ela não tinha superado, que era um salto chamado de triple loop que ela precisava fazer tanto para um programa curto, quanto para um longo. E tudo mais havia sido trabalhado e superado com o trabalho anterior, e ela estava presa nisso.

Quando eu passava pelo campo visual dela, logo antes de chegar à linha de seu nariz, seus olhos começaram a tremer de forma dramática, e depois se travaram. Quando isso aconteceu, eu senti como se uma mão tivesse segurado meu punho e travado meu dedo naquele ponto. Então eu simplesmente o mantive bem no lugar onde aconteceu o tremor e o congelamento. E pelos próximos dez minutos, uma enxurrada de informações e processamento apareceu. Ela se emocionou muito em alguns momentos, e houve muita liberação em outros. Saiu trauma atrás de trauma, atrás de trauma.


Havia duas coisas fascinantes: a primeira era que eram traumas novos que não tinham aparecido até então. Alguns eram na pista de patinação e lesões. Alguns tinham relação com a família, com os pais brigando. Mas muitos deles eram traumas novos que nunca tinha aparecido no processo que eu tinha feito com ela durante aquele ano de tratamento.


Mas a segunda coisa foi que muitas coisas que eu achava que estavam resolvidas reabriram, e foram processadas em um nível mais profundo. Na manhã seguinte, ela me ligou da pista de treino. Ela estava muito empolgada. Ela disse, “David, David, acabei de fazer um triple loop sem problema!” E ela nunca mais teve problema com isso novamente depois dessa sessão.


O que aconteceu pra mim, naquele ponto – quer dizer foi realmente dramático, então eu fiquei me perguntando se haveria algo ali que poderia ser aplicado a outros clientes. Então ao fazer esses movimentos oculares lentos, comecei a procurar esses movimentos reflexos dos olhos, tremores, anomalias oculares, e sempre que via um, parava bem ali e dizia à pessoa, “Continue olhando para meu dedo e observe o que acontece.”


E elas começaram a entrar, em quase todos os casos, em um processamento mais profundo e mais focado do que antes com o trabalho que eu vinha fazendo. E o trabalho que eu estava fazendo era efetivo e poderoso, então pra mim, isso realmente me chamou a atenção para o fato de que isso era uma inovação que alcançava outro nível.


Durante os últimos 10 anos, descobri sozinho e com outras pessoas que têm estudado comigo, muitas formas diferentes de observar e direcionar o campo visual de um cliente para ver onde experiências diferentes podem ser realmente focadas, ou trazidas à tona, ou liberadas, incluindo também experiências positivas.


TS: Agora vamos a essa história da patinadora e seu salto triplo. Então ela te procurou, você estava trabalhando com ela nisso há algum tempo, e então nesse dia específico ela manteve seu olhar focado em uma posição por 10 minutos. Novas histórias apareceram, que ela viu na frente dela, ela estava envolvida nesse estado de atenção plena focada, como você chamou. E no dia seguinte, ela teve esse avanço na pista. Então o que aconteceu? O que aconteceu durante aqueles 10 minutos que possibilitaram que ela tivesse um avanço no dia seguinte?


DG: Bem, eu posso apenas especular, mas estamos investigando isso mais e mais por meio de pesquisas. E não sou um pesquisador do cérebro, então um tanto disso vai além de minha especialidade. Mas deve ter havido alguma cápsula – eu a chamo de cápsula de trauma – que, ou não conseguimos encontrar, ou o encapsulamento era tão grande que de alguma forma, mesmo com todo o trabalho, todo o foco e todos os movimentos oculares e tudo, ela nunca se revelou.


E algo sobre a informação que estava naquela cápsula de trauma continha o bloqueio para ela em relação a executar o triple loop – e é realmente muito difícil, ou impossível dizer exatamente o que foi. E não havia nada consciente nisso. Era tão reflexo quanto um esticar o joelho quando você bate no tendão patelar. Naquele momento, quando cheguei naquele ponto e seus olhos começaram a tremer daquele jeito, era algo que seu sistema reflexo estava vivenciando, e dizendo pra mim, “David, há algo exatamente nesse ponto.”


Mas não havia pensamento, nem palavras. Era apenas uma resposta reflexa. E o fato de eu ter parado ali – e eu, provavelmente, senti isso de forma intuitiva em meu self reflexo também – ajudou o que quer que fosse a manter o foco nisso, e fazer com que o cérebro dela realmente focasse a cápsula de trauma, e realmente abrisse o que estava dentro dela. E todos os traumas que saíram tinham estado congelados e guardados secretamente naquele compartimento no cérebro dela.


Mas uma vez que eles tinham sido processados e liberados, ela conseguiu realmente voltar ao tempo presente, ao lugar atual, não estar mais presa a quando tinha 05, ou 06, ou 12, mas realmente estar no momento presente, e fazer o que todo o seu treinamento, e toda a sua prática, deveriam permitir que ela fizesse, que era realizar um movimento livre que, para a maioria de nós, seria uma impossibilidade, mas para uma patinadora de alto nível, na verdade não era nada complicado. Então houve uma passagem de localizar o trauma por meio da posição ocular, liberar por meio do processamento, até uma mudança real no comportamento e a liberação do movimento dela.


TS: Acho que parte da minha pergunta é essa ideia de liberação que se dá por meio do processamento. Qual é sua compreensão sobre quando esse material é liberado da cápsula? Como é que apenas a liberação do material nos liberta de alguma forma?


DG: Bem, se tomarmos um trauma de evento único – vamos supor um acidente de carro, e uma pessoa estava dirigindo um carro e outra pessoa furou um sinal e bateu nela de lado. E em algum lugar no cérebro dessa pessoa essa experiência foi congelada, porque, novamente, a experiência traumática ainda estava congelada no cérebro dessa pessoa.


E parte dessa pessoa, aquele pedacinho do cérebro, foi deixada pra trás naquele evento traumático se sentindo como, “Vai acontecer. Está acontecendo. Acabou de acontecer.” É isso que significa algo estar congelado no cérebro de uma pessoa. Aquela parte do cérebro ainda está vivendo a experiência. O cérebro não processou a experiência, nunca a superou.

Então, literalmente, toda vez que essa pessoa se aproxima de um cruzamento, fica com medo de se envolver em um acidente. Mas o que é típico do trauma é que a pessoa não tem medo de ser atingida pela esquerda; não tem medo de ser atingida por trás. Tem medo de ser atingida exatamente naquele ponto à direita, porque isso ainda está congelado no cérebro. A experiência e o medo de que aconteça novamente estão congelados no cérebro.

Localizamos o Brainspot para a pessoa. O que acontece é que ela encontra aquela cápsula congelada de informação onde o cérebro da pessoa ainda está presa no trauma. E quando começa a processá-lo – literalmente, vai atravessá-la olhando para aquele ponto. Ela vai atravessá-la passo por passo por passo. Ela sentirá. Sentirá o impacto. Sentirá os sons, etc. Mas vai superá-lo. Vai chegar ao ponto onde se deu conta de que, sim, seu carro estava destruído, mas ela estava OK. Ou talvez tenha quebrado o braço, mas não morreu como temia que acontecesse.


E ela continua a processar. O cérebro continua a passar pelo que, historicamente, é conhecido como recuperação. Quando isso acontece, e ela ainda está olhando para aquele ponto, e volta ao acidente, em vez de estar dentro dele, ou se sentindo ativada, ou sentindo o impacto, ela começa a sentir que “Está tudo bem. Está distante. Está no passado. Posso continuar com a vida.” Em outras palavras, aquela parte do cérebro agora teve a chance de sair do congelamento, da posição presa, e processar a experiência como o resto do cérebro fez.


E agora a pessoa vai dirigir até esse cruzamento, e provavelmente nem pensa que vai se envolver em um acidente, ou levar uma batida pela direita, porque aquela parte do cérebro não está mais pensando nisso. Está pensando mais no que deveria estar fazendo.


TS: Agora estou curiosa, David, se você mesmo já se submeteu a terapia com Brainspotting para trabalhar alguma questão, e, caso sim, como isso funcionou para você.


DG: Em algumas circunstâncias, sim, me submeti. E a coisa mais engraçada é que quando eu estava na posição de cliente, entrei nisso como qualquer outra pessoa faria, mesmo tendo sido eu que descobri e desenvolveu e sendo uma coisa minha. E comecei a fazer o que todo mundo faz, porque é tão intuitivo. Parece que está acontecendo sozinho.


E meu pensamento após uma sessão trabalhando algo que estava realmente me incomodando com um colega meu que era realmente um terapeuta excelente e fez Brainspotting comigo foi, “Ei, essa coisa realmente funciona!” [Risos] Mas não era como “Eu sei que funciona” porque já fiz com milhares de pessoas, mas eu sabia que funcionava por causa do que aconteceu dentro de mim.


Por mais que meu cérebro consciente saiba tudo o que sabe sobre Brainspotting, naquela parte pré-frontal esquerda do meu cérebro, o resto do meu cérebro é tão misterioso e desconhecido e vulnerável quanto o de qualquer outra pessoa. Então eu pude vivenciar isso –

TS: Talvez isso seja pessoal demais pra compartilhar, mas você estaria disposto a compartilhar conosco o que você estava trabalhando, e o que aconteceu com você durante o processo de Brainspotting?


DG: Bem, tinha a ver com um trauma não resolvido pra mim onde meu filho teve um acidente de bicicleta, onde ele foi atropelado por um carro. E, o que foi interessante é que antes do Brainspotting eu tinha processado isso com o EMDR. E tinha resolvido a maior parte, talvez 90% da questão.


Mas ainda havia uma parte que eu realmente nunca tinha conseguido processar, e tinha a ver com receber a notícia por telefone. Estava em meu consultório e minha esposa ligou, e me disse que meu filho estava no hospital. Ele está bem, ele vai sobreviver, mas então toda essa coisa sobre as queimaduras, os ossos quebrados, e todo esse tipo de coisa. Então eu nunca realmente consegui trabalhar o trauma do telefonema, e do medo das notícias ruins que estavam vindo pelo telefone, principalmente quando estava em meu consultório. Então foi isso que trabalhei com Brainspotting.


TS: E você poderia nos contar como foi o processo para você, como cliente? Como você o vivenciou, o que aconteceu?


DG: Bem, o que é interessante é que – eu tenho um ditado: “Todo trauma é uma retraumatização.” Ele me trouxe de volta três outras ocasiões onde eu tinha recebido notícias muito ruins no consultório pelo telefone. Então o que realmente tinha acontecido, a razão pela qual isso não tinha sido processado completamente com o trabalho anterior que eu tinha feito, é que não tínhamos chegado aos traumas que estavam subjacentes a ele, ou na base dele.


Um deles foi quando eu tinha recebido a notícia, 15 anos antes, que meu pai tinha sido diagnosticado com câncer nos rins, e que tinham achado uma metástase e todo esse tipo de coisa. Mas isso era uma das coisas que tinha a ver com ser traumatizado ao receber notícias ruins pelo telefone em meu consultório. Então isso apareceu, e foi processado. Não que o incidente não tivesse mais qualquer significado pra mim, mas o telefone se tornou algo neutro pra mim em vez de algo, de alguma forma, perigoso.


TS: E você sabe se há necessidade de um certo número de sessões? No seu caso, quantas sessões foram necessárias para trabalhar a questão de receber notícias ruins pelo telefone?

DG: Isso foi uma sessão de duas horas.


TS: Só isso?


DG: Sim.


TS: Isso é bem incrível.


DG: Mas lembre-se, eu tinha trabalhado isso muito antes, então quero que isso fique claro. Mas em relação ao que as pessoas trazem pro meu consultório, e para o consultório de outros terapeutas, gosto de dizer: “O que você investe é o que você obtém como resultado.” E algumas pessoas são muito mais ambiciosas quando vão para terapia ou aconselhamento, e algumas pessoas são muito mais limitadas quanto ao que querem.


Então a quantidade de tempo necessária tem a ver com: a) o quanto você é ambicioso, ou o quanto seus objetivos são mais limitados; mas b) se é um evento traumático único, ou se são traumas repetidos, se são traumas da infância ou traumas da adolescência ou da vida adulta. Com alguém que teve muitos traumas na infância, eles realmente estão infiltrados em todo o cérebro, e foi o cérebro numa fase de seu desenvolvimento precoce que foi traumatizado. Então para se obter uma resolução mais completa, pode levar muitas sessões, pode levar 20 sessões, pode levar anos de sessões.


Para outras pessoas e outras questões, pode levar uma, duas, cinco, dez sessões Então realmente varia. Mas você deve manter isso dentro de um contexto. O que for trabalhado nessa sessão de duas horas, ou nas 50 sessões de uma hora, se você contrastar isso com a maioria das outras terapias, principalmente as terapias baseadas na fala, você tem um universo de diferença.


Então você pode literalmente obter em cinco sessões o que você não conseguiria com um ano de terapia verbal, porque você não está tendo acesso à parte mais profunda do cérebro, e àquelas cápsulas de trauma, ou outras experiências que estão contidas em lugares do seu cérebro que você não consegue acessar apenas falando e pensando.


TS: E você já encontrou situações onde o Brainspostting simplesmente não é efetivo? Agora, sabendo que pode ser que um cliente vá embora após uma ou duas sessões então ele não tem a adesão necessária. Mas fora isso, há outros tipos de aplicações onde o Brainspotting parece não funcionar?


DG: Em geral, não. E estou começando com o geral. Basicamente, quando as pessoas dizem: “Bem, em quem o Brainspotting funciona?” eu digo: “Pessoas que tem sistemas nervosos ativos”, o que geralmente inclui a maioria de nós. No momento em que você estiver morto, não, o Brainspotting não vai funcionar pra você.


As exceções são se você tem doenças mentais graves: alguém com esquizofrenia, ou transtorno bipolar que não seja adequadamente medicado ou tratado, ou a pessoa não tem um sistema de suporte adequado. Você não quer usar nada – não apenas o Brainspotting, mas qualquer abordagem – que possa desestabilizá-los. Isso seria um exemplo. Outro exemplo seria alguém que tem uma adição ativa, e o que ela realmente precisa é o que você faz em casos de adição, que é um programa e uma abordagem muito mais abrangente.


Nesses casos, o Brainspotting tem seu lugar, mas não vai ser o modo primário de tratamento. Outro aspecto disso é que o terapeuta que trabalha com o cliente, não importa o quanto sejam bons com Brainspotting, tem que ter experiência com aquela condição que o cliente traz.


Então se um cliente traz uma questão de abuso sexual na infância, o Brainspotting é muito efetivo em chegar a esses traumas, mas você tem que saber como entrar nisso muito mais lenta e gradualmente, e trabalhar do que chamamos de uma posição muito mais de recurso.


TS: O que você quer dizer com isso?


DG: Bem, primeiramente, Brainspotting não é apenas uma técnica. Brainspotting é uma técnica que é utilizada no contexto de uma relação empática, de sintonia. O Brainspotting não substitui, nem deve, nem pode substituir um terapeuta que realmente está lá com o cliente, realmente escutando, realmente sintonizando e acompanhando tudo de maneira muito aberta. Então isso precisa acontecer independentemente da situação.


Mas ainda precisa haver experiência naquilo que o cliente traz. E se o cliente está vindo por causa de TOC, ou ataques de pânico, você tem que ser especialista em Brainspotting e em TOC e ataques de pânico. Se um cliente está trazendo TEPT complexo, ou o que chamamos de transtorno dissociativo, que geralmente são pessoas que tem partes diferentes de si mesmas que tendem a aparecer em momentos diferentes, então você precisa ser especialista nisso.


Trabalhar de forma mais recursada, significa trabalhar, em vez de onde você sente a ativação em seu corpo, ou vulnerável em seu corpo, trabalhar onde você se sente mais calmo ou centrado em seu corpo. Fazer Brainspotting com isso significa encontrar posições oculares que correspondam à experiência de calma e centramento em seu corpo, que são as áreas calmas, centradas do cérebro, e poder trabalhar com muito apoio e de forma gradual, e se certificando que você não sobrecarregue nem desestabilize o cliente.


TS: Agora, em seu novo livro sobre Brainspotting, uma das partes que achei interessante foi quando você falou sobre como o cliente pode ele(a) mesmo(a) encontrar o Brainspot trabalhando de dentro de seu corpo – não necessariamente onde o terapeuta está movendo a ponteira ou o dedo, mas trabalhando de dentro. E será que você poderia explicar isso?


DG: Deixe-me contar uma experiência que tive. Fui me submeter a uma cirurgia de hérnia, e estava esperando em um local com seis outras pessoas que estavam aguardando cirurgia. Cirurgia, não é minha coisa predileta, sabe. Além de ser sarcástico em relação a isso, tinha fobia desde a infância em relação a ser cortado, ou tomar injeções ou coisas assim.


Então o que fiz foi, enquanto estava deitado na cama, com um acesso venoso – o que também não me deixa muito empolgado – procurei um ponto naquele local onde me sentia com menos medo, o menos ativado, seja lá o que for. Percebi que meus pés estavam se sentindo mais calmos do que o resto de meu corpo, e eu escanei o ambiente e encontrei uma tomada. Ficava à minha direita, em baixo. E quando eu olhava para lá, não me sentia ótimo, mas me sentia muito menos sobrecarregado ou com menos medo do que em qualquer outro ponto.


Demorou 90 minutos para que me levassem pra cirurgia. Durante aqueles 90 minutos fiquei apenas olhando para aquele ponto, e apenas sentia que não estava sobrecarregado, não estava entrando em pensamentos ou fantasias negativos. Ele me manteve no presente, e me manteve nas partes calmas do meu corpo, que começou com meus pés e lentamente subiu para minhas pernas.


A forma mais fácil, e no meu livro a primeira coisa sobre a qual falo, são exercícios usando o que chamamos de modelo de recurso. Novamente, isso significa perceber o recurso corporal, ou onde nos sentimos mais calmos e centrados no corpo, e encontrar pontos que correspondam a isso. Então, literalmente, pode ser diferente para pessoas diferentes em momentos diferentes. Você simplesmente escaneia seu corpo e percebe onde você se sente o mais calmo e mais centrado. Frequentemente é nas extremidades, ou nos pés tocando o chão, ou seu corpo tocando a cadeira se você estiver sentado numa cadeira.


E com isso você fica com isso por um tempinho, e percebe como se sente, e então você olha para a direita e olha para a esquerda. E você percebe que direção parece corresponder àquela sensação de calma e centramento da cadeira apoiando seu corpo. E tendo encontrado – às vezes é uma região, às vezes um ponto bem específico – você simplesmente olha pra isso e vê para onde as coisas vão para você.


Você pode fazer isso simplesmente para meditação ou bem estar, mas também pode fazer isso para te ajudar a processar algo que o está incomodando. Mas o autotrabalho é melhor feito não focando onde você se sente mais ativado, mas onde você se sente mais calmo e centrado. Algumas pessoas conseguem ir bem sozinhas. Elas encontram um ponto, começam com onde sentem a tensão no corpo, a pressão no corpo, e então olham para a direita ou olham para a esquerda. E notam exatamente onde sentem isso mais, e olham para o ponto e processam.


Mas, de novo, em meu livro eu recomendo que as pessoas usem mais o modelo de recurso para auto-trabalho. As pessoas que praticam meditação realmente já sabem como fazer isso, mas mesmo pessoas que praticam meditação descobrem que a meditação é aprimorada quando trabalham com um recurso corporal ou um ponto de recurso.


TS: Estou curiosa sobre o que você pensa, já que você falou de meditação, sobre o que acontece quando seus olhos se movem para cima e para trás quando seus olhos se fecham um pouco. Então você não está realmente olhando para fora, mas há um tipo de olhar para dentro e para cima, se você sabe do que estou falando. Acho que é algo que algumas pessoas que meditam encontraram em sua prática, que isso pode ser uma espécie de olhar para dentro que pode nutrir.


DG: Bem, vou começar com o fato de que, mesmo com nossos olhos fechados, geralmente estamos olhando para uma direção ou outra. E quando pensamos em algo – e notei isso com meus clientes. Às vezes os clientes fecham os olhos. E comecei a observar, e podia literalmente ver que seus olhos estavam olhando mais para a direita ou para a esquerda, ou para cima ou para baixo. Então mesmo com os olhos fechados, ainda estamos olhando em alguma direção.


Então, literalmente, em termos de sua pergunta, apesar da maioria das pessoas tenderem a olhar para cima, algumas pessoas olhariam mais para cima e para a esquerda ou direita. Algumas pessoas até vão para o oposto e olham para baixo, porque todo mundo está programado de forma um pouco diferente. Então você pode incorporar isso.


A atenção plena tem a ver com consciência. Então vamos dizer que você está meditando, e está consciente de qual a direção para onde você está olhando, e você incorpora isso. Onde você está olhando com seus olhos fechados? E simplesmente mantenha seu olhar nessa direção com seus olhos fechados. Isso pode focar ou aprimorar a meditação.


Quero acrescentar mais uma coisa a isso, que é realmente interessante. A posição ocular no Brainspotting, não é determinada apenas pela direção para onde olhamos, pelo que vemos. É também determinada pelos seis músculos orbiculares que mantém cada olho em seu lugar. Esses músculos dos olhos são realmente incríveis por causa da tarefa que têm que executar – porque temos dois olhos – de manter nosso foco. Eles se ajustam e realizam micro-ajustes o tempo todo, toda vez que movemos nossos olhos, mesmo se mantemos um olhar fixo em um objeto. Então os seis músculos para cada globo ocular estão repletos de reflexos.


Então uma das coisas que descobrimos foi que não é apenas o que estamos olhando visualmente, mas é a posição desses músculos orbiculares que também tem a ver com nossa orientação, e também com localizar coisas diferentes em nosso cérebro e dentro de nós mesmos.


TS: Você acha que é justo dizer que estamos nos primórdios do Brainspotting, e que nas próximas décadas vamos aprender muitas coisas? E, se sim, quais são as perguntas que você está se fazendo, e que tipo de coisa você espera aprender nas décadas futuras?


DG: Você está absolutamente certa. Estamos nisso há 10 anos. Fizemos muito trabalho. Há terapeutas de Brainspotting treinados no mundo todo. Então já caminhamos muito em 10 anos, mas sei que os reais especialistas em Brainspotting sabem que apenas arranhamos a superfície. Estamos realmente no início disso, e se você acha que você realmente sabe o que está fazendo, você está se enganando.

Quando você realmente entra no Brainspotting, você quer olhar e entender mais e mais e mais. Estou descobrindo coisas novas o tempo todo, então minha prática está mudando e se desenvolvendo o tempo todo. E isso é parte do que estou trazendo para os treinamentos e do que ensino para outras pessoas.


A coisa bem simples da tecnologia é o que pode realmente levar o Brainspotting para outro nível, de duas maneiras: uma é a tecnologia do escaneamento cerebral, e é claro – eu fiz uma sessão com alguém em um scanner de ressonância magnética funcional, realmente bem inicial, só pra ver o que está acontecendo no cérebro com o Brainspotting. Mas coisas como o EEGQ – escaneamento cerebral com EEG quantitativo – podem ser feitas.

Se conseguirmos ter acesso a um número suficiente de sessões de Brainspotting com o EEGQ, e realmente observar os padrões, podemos começar a olhar não apenas para a posição ocular, mas podemos começar a ler o que está acontecendo no cérebro – não apenas pelo que a pessoa relata, mas pelo que podemos ver. Podemos começar a realmente encontrar formas diferentes de obter maior precisão em relação ao que a pessoa está guardando em seu cérebro e seu em corpo, e ajudar a processar isso mais.


Então isso é uma das coisas. Estou apenas dando um exemplo, porque há muitas formas de se observar o cérebro e ler o cérebro. Outra coisa é realmente o uso da tecnologia do computador. Ainda usamos tecnologia muito básica. Temos uma ponteira. É como uma ponteira usada pelos professores antigamente, a ponteira telescópica. Na frente da tela certa, ou talvez com os óculos certos, podemos literalmente simular para as pessoas não apenas a direita e a esquerda, mas para cima e para baixo, perto e longe e tipos diferentes de coisas e cores e luzes diferentes.


Então avanços podem ser feitos usando informação que já temos em outros campos, ou desenvolvendo informação a partir do que observemos e descobrimos com o Brainspotting. Não posso imaginar em 20 anos exatamente o que conseguiremos fazer com Brainspotting.

TS: Agora, David, penso em você como um verdadeiro pioneiro, e também como alguém que é muito focado e – isso seria minha própria linguagem – eu até falaria numa missão. E isso é o que é preciso, frequentemente, para trazer um tipo de abordagem terapêutica revolucionária para o mundo. E sempre fico curiosa quando alguém tem esse senso de missão ou de pioneirismo, de uma qualidade de carregar a tocha, o que os está motivando. Então fico curiosa para saber um pouco mais sobre o

que o motiva em seu trabalho.


DG: Bem, algumas pessoas podem achar que tenho o desejo de curar as pessoas, e, certamente, isso é uma parte. De novo, de um ponto de vista humanitário, tenho que lhe dizer que o núcleo é que sou incrivelmente curioso em relação as coisas, e estou sempre observando coisas.


Desde que me lembro – eu consigo lembrar algumas situações até de quando eu tinha dois ou três anos de idade – estava olhando ao meu redor, fazendo Brainspotting talvez, e só olhando e perguntando: “O que é aquilo? Por que é assim? Por que será que isso está acontecendo?” Sou uma pessoa incrivelmente curiosa, e estou sempre interessado no que faz as coisas funcionarem.


Quando era mais novo, era muito mecânico. Ainda sou mecânico, mas eu literalmente olhava para as coisas – motores ou outras coisas mecânicas, coisas elétricas – e simplesmente as olhava e conseguia entender como a pessoa ou as pessoas que as desenvolveram o fizeram, e como fizeram essas coisas funcionarem. Isso me fascinava.


Como terapeutas, estamos trabalhando com o mecanismo mais infinito conhecido no universo, que é o cérebro, que tem um quadrilhão de conexões, que é um bilhão multiplicado por um milhão, o que, até onde sabemos, é perto do infinito. Com pessoas na minha frente, sim, estou lá para ajudá-las e estou sempre procurando ajudá-las o máximo possível, o mais rápido possível. Mas as pessoas são absolutamente fascinantes em si mesmas e como são, e porque são. Você vê alguns padrões que são universais, mas você vê tanta coisa que é absolutamente única.


Então uma parte minha é como aquela criança de dois ou três anos de idade – sempre curiosa e fascinada. Como isso funciona? Por que é assim? O que está fazendo isso acontecer? Então, mais do que qualquer outra coisa, isso é o que me motiva, e acho que realmente vem de minha criatividade como todas as coisas que faço.


TS: E agora só uma última pergunta, David. Estou curiosa em saber quais são suas expectativas para o Brainspotting no futuro próximo. O que você espera que floresça?


DG: O Brainspotting, pra mim, começou como uma psicoterapia, porque sou um psicoterapeuta. E começou mais no campo da terapia de trauma. Mas ele se relaciona com tudo o que tem a ver com o que acontece no cérebro humano, e com o ser humano e com o espírito humano, o que nos leva à criatividade, performance, espiritualidade, desenvolvimento pessoal e expansão. E ele também tem a ver com o que acontece no corpo, com coisas somáticas.


Então, para mim, poder usar o campo visual para localizar e ajudar o sistema humano a acessar sua capacidade de auto cura, bem como sua capacidade de auto atualização, pra mim, vai muito além da psicologia e psicoterapia, e realmente adentra todos os aspectos de quem somos, e de como somos, e como podemos crescer e mudar e desenvolver.


Então eu realmente faço muito trabalho com performance nos esportes e criatividade e coaching para atores, e coisas assim. Sei que tem uma aplicação em negócios/empresas. Os negócios/empresas se baseiam no cérebro humano e no conjunto de cérebros humanos. Mas a ciência, o aprendizado – você pode literalmente aprender mais olhando para certas coisas a partir de determinadas posições. Quando dizem que uma pessoa tem um problema de aprendizagem, ou um bloqueio de aprendizagem, bem, se estão posicionados em determinado lugar na sala, olhando para aquele ponto de bloqueio à esquerda, a criança não vai aprender tanto quanto se estivesse sentado à direita e olhando para a direita onde ela tem mais acesso. Então indo para a educação também. Onde quer que os esforços da humanidade forem, e implicarem em orientação e em orientação em um campo visual, existe a potencial para aplicação do Brainspotting.


TS: Eu falei com David Grand. E ele é o descobridor de uma técnica chamada Brainspotting. Ele também escreveu um novo livro publicado pela Sounds True chamado Brainspotting: a nova terapia revolucionária para mudança rápida e efetiva.

David, muito obrigada por estar conosco em Insights at the Edge.


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Série de textos com tradução autorizada pelo autor para a distribuição pela associação.


Lisa Schwartz e Iria Salvador

Traduzido por Patricia Jacob



Lisa Schwartz

O recurso da rede de energia pode ser utilizado como uma forma de transformar, relaxar e enraizar a pessoa, além de poder empregá-lo como ponto cerebral para processar o trauma, criar vínculo ou liberar dor física.


Uma vez formada a rede, podemos trazer os Estados de Ego para dentro dela, podemos também trazer a dor corporal ou podemos processar simplesmente qualquer coisa que precisarmos neste ponto cerebral.


COMO CONSTRUIR A REDE:


Feche teus olhos, respire pelo nariz e solte pela boca.


Escaneie teu corpo e procure o lugar onde sente o menor mal estar – experimente-o por uns segundos.


Agora escaneie novamente seu corpo e localize em que lugar se sente mais enraizado, centrado, sólido, neutro, tranquilo, em paz

Fique um momento respirando neste lugar de enraizamento.


Agora escaneie seu corpo e permita que apareça outro ponto de enraizamento.


Desenhe uma linha interna que conecte o primeiro ponto com o segundo ponto. E perceba a cor, a conexão e a energia fluindo entre ambos os pontos.


Escaneie novamente seu corpo e encontre outro ponto de enraizamento.


Desenhe uma linha interna que conecte o segundo ponto com o terceiro e perceba a cor, conexão e a energia fluindo.


Peça a seu corpo um ponto de liberação de energia, um lugar por onde seu corpo possa descarregar a energia ou permitir que seja liberada se houver necessidade ou se assim o desejar durante o trabalho…


Desenhe uma linha interna entre o terceiro ponto e o ponto de saída de energia, perceba a cor, a conexão e a energia fluindo.


Peça a teu corpo outro ponto de enraizamento. Desenhe uma linha entre o ponto de saída de energia e este quarto ponto. Perceba a cor, a conexão e a energia fluindo.


Peça a teu corpo um quinto ponto de enraizamento. Desenhe uma linha entre o ponto anterior e este ponto. Perceba a cor, a conexão e a energia fluindo.


Pergunte a seu corpo se esta rede de energia deve estar aberta ou fechada. Não pergunte a seu cérebro, pergunte ao seu corpo, e perceba a primeira resposta que lhe vier à mente. Se é “aberta”, deixe a rede assim. Se é “fechada”, desenhe uma linha desde o último ponto da rede ao início para que essa rede fique fechada.


Feche seus olhos, volte a traçar os pontos da rede para si, e simplesmente perceba enquanto volta a traçá-la: o movimento, a cor e o fluxo da energia. Respira a sensação de ter esta rede presente e a força desta rede.


Quando se sentir pronto, abra os olhos e vamos procurar o ponto cerebral que se conecta com o sentimento desta rede como um todo (é o terapeuta que procura o ponto com a varinha).


Iria Salvador

MINHA EXPERIÊNCIA COM O USO DA REDE DE ENERGIA

Em minha experiência com o uso do Brainspotting, pude comprovar por mim mesma a utilidade e o benefício que é para os pacientes traumatizados fazer o reprocessamento de experiências dolorosas no ponto de recurso.

A um tempo chegou até mim o artigo de Lisa Schwarz sobre como ela usa o Brainspotting com pacientes com TEPT complexo ou transtornos dissociativos, e neste artigo ela fala do uso da rede de recursos. Tinha, naquele momento, vários pacientes deste tipo. Então decidi ver como funcionava a rede com eles, já que mesmo que o uso do Brainspotting com o ponto de recurso para alguns pacientes tenha sido muito eficaz, com outros ainda assim era muito perturbador. Mesmo com todo o trabalho prévio de estabilização e enraizamento que estávamos fazendo nas semanas anteriores na terapia, e eles mesmos em casa, através de um CD que criamos em Alecés para trabalhar na estabilização e que damos a nossos pacientes.


A diferença foi notável! A pessoa podia acessar lembranças e experiências muito dolorosas de uma nova perspectiva, tendo toda uma rede interna de recursos positivos que facilitava um reprocessamento profundo e mais contido.


Há alguns pacientes que quando construímos com eles a rede, localizamos o ponto cerebral da rede e trazemos o estado de ego que contém o material traumático, se desconectam dela. Em minha curta experiência com este novo recurso da rede, temos que fazer pequenas indagações durante o processo para saber se eles continuam conectados com a rede ou para dar-lhes dicas do tipo “perceba aonde isto te leva, sabendo que segue conectado com esta rede de energia”, “permita-se sentir novamente a rede de energia enquanto percebe este sentimento, sensação…”.

O que faço diferente:


Quando vou pedindo ao paciente que deixe aparecer novos pontos de recurso, vou fazendo um retraçado para que a consciência da rede seja maior e para alimentar este sentimento de conexão interna, sempre com cada novo ponto.


Quando a rede está completa, peço que eleja uma palavra que o conecte com o que esta rede está lhe fazendo sentir. Os pacientes às vezes dizem coisas como “é energizante”, “relaxante”, ou “é uma rede de amor”, e estas são as palavras que logo também utilizo quando estamos processando o material traumático: “Veja aonde isso te leva nesta rede de energia”, ou “Perceba o que esta parte que contém sua angústia precisa expressar agora nesta rede de amor que sente em seu corpo.”


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Série de textos produzidos por associados e disponibilizados pela associação.



Dr. André Maurício Monteiro

segundo semestre de 2013



Os trabalhos vivenciados com David Grand (DG) durante a segunda vez que ele conduziu o nível 3 da formação em Brainspotting em Brasília (agosto de 2013) proporcionaram muita aprendizagem de técnicas avançadas e possibilidades clínicas da abordagem. Para quem já havia assistido ao módulo no ano anterior, como foi meu caso, essa se mostrou uma oportunidade adicional para avaliar certos aspectos talvez menos evidentes das intervenções. Algo semelhante a esse fenômeno ocorre quando assistimos a um filme pela segunda vez, e podemos apreciar melhor certos detalhes que passaram despercebidos na primeira impressão.


Gostaria de comentar sobre alguns desses detalhes, na verdade precipitados pelo próprio DG, ao me interrogar sobre opiniões que teria, logo após uma demonstração a que eu acabara de assistir. Como ainda estava sob a influência da atividade de traduzir, precisei de algum tempo adicional para refletir a respeito. De certo modo, não tive mais oportunidade de fazer uma devolução completa para ele nem para o grupo, que seguiu adiante com o conteúdo a ser apresentado no último dia do treinamento. Esses comentários que se seguem não resultam de uma conversa com ele e refletem, portanto, ponto de vista puramente pessoal.


Antes de avançar nesse compartilhar técnico, algo que em certa medida me inquieta, na falta de palavra melhor, é a necessidade que ainda acalento de criar distinções adicionais entre EMDR e Brainspotting. Apesar de este ter se derivado daquele, por vezes fico ainda com incertezas quanto a diretrizes a serem seguidas, principalmente no campo teórico do Brainspotting. Claro que basta assistir a sessões


com cada uma das abordagens para de imediato identificar na vivência prática as diferenças marcantes, bem como as reações distintas dos clientes. Curiosamente, alguns desses clientes preferem de modo evidente e explícito a sessão de Brainspotting ao EMDR, apesar de o contrário também se evidenciar. Por isso mesmo, o que seria melhor indicação para um ou para outro? Tenho inicialmente adotado, mas sem radicalizar, o princípio de que para queixas com memória bem definida prefiro o EMDR, ao passo que nas queixas relativas a sintomas mais difusos, múltiplos ou com comprometimento físico, inicio os trabalhos com o Brainspotting.


Para além desse ponto mais imediato e prático de como escolher a melhor intervenção para cada cliente, outras distinções poderiam ser estendidas a conceitos teóricos, de modo a proporcionar melhor delimitação de vantagens de cada abordagem terapêutica, bem como a permitir que os terapeutas encontrassem elementos que permitissem escolhas mais embasadas de quando usar este ou aquele, dependendo do tipo de clientela e principalmente da categoria de queixas apresentadas.


Para tanto, e sem de modo algum imbuído da pretensão de que esses comentários sejam exaustivos para essa tarefa, refiro-me à demonstração de Helga (nome fictício da paciente, de quem obtive autorização para comentar sobre sua vivência pública com David Grand no Nível 3), já que mesmo para uma elaboração teórica a vivência clínica deve ser sempre soberana como referência última para as especulações metodológicas.


Os temas surgidos na demonstração de Helga versam sobre uma queixa inicial de dificuldade de perda de peso. Não importa a dieta escolhida ou a intensidade dos exercícios praticados. O peso não cedia e não cede. Mediante aprofundamento da entrevista que se segue com DG, surgem outras recordações, aparentemente não relacionadas entre si, mas conectadas em cadeias associativas de memória. Dentre as recordações citadas, destacam-se: durante uma checagem de rotina Helga surpreende-se com resultados dos exames laboratoriais, evidenciando um câncer de tireoide, operado pouco depois, no início deste ano de 2013. Comenta também sobre o falecimento da mãe (devido a erro médico), quando Helga conta com apenas um ano de idade; como é levada para uma tia para ser criada; depois levada a morar no exterior sem ser consultada; finalmente retorna ao país de origem também sem aviso nem preparo.


Nesse relato Helga começa a perceber uma impressão de não ter palavra, de não ter voz em momentos importantes da vida, de ser testemunha passiva sem o devido poder para uma tomada de decisões e de em geral receber imposições da vida. Finaliza com descrição de acidente automobilístico do qual guarda algumas sequelas de amnésia, apesar de felizmente todos terem sobrevivido. Estava no banco do passageiro e namorado conduzia o veículo.


Diante de perguntas de DG, Helga traz ainda revelação surpreendente sobre o a cirurgia de tireoide: um sonho, ocorrido pouco antes de todo o processo cirúrgico se desenrolar. Encontra-se diante de um espelho e constata um corte na garganta. Algo sobe por dentro de seu corpo. Chega a mencionar o sonho com o clínico geral, que obviamente descarta qualquer seriedade ou necessidade de exame adicional, como resposta à mensagem onírica. No entanto, ao relatá-lo posteriormente para uma dermatologista, consultada por conta de uma irritação na região do pescoço, é acolhida com seriedade e a médica pede para que faça exames complementares, o que de fato resulta no diagnóstico de câncer.


Para a intervenção DG emprega a técnica de BSP com varredura. Focaliza principalmente o acidente e consegue a recuperação das memórias do momento da colisão, lembranças essas que haviam desaparecido da mente de Helga. David comenta posteriormente na elaboração da vivência sobre a importância de se tentar essa recuperação de memórias referentes a acidentes e colisões, por ser essa amnésia muitas vezes fruto de dissociação emocional e não de concussão cerebral. Para conseguir essa recuperação de recordações, pede para que Helga focalize a última lembrança que tem antes do acidente, bem como para que se concentre na primeira recordação após o incidente, ampliando o volume de recordação guardada no inconsciente. As recordações dissociadas retornam à consciência e integram-se à lembrança mais ampla.


Enquanto isso, DG volta e meia pede para Helga voltar às imagens do sonho e conferir como se encontram naquele momento. Surpreendentemente Helga descreve mudanças no modo de se relacionar com o conteúdo do sonho, que ao término da vivência desperta uma impressão de fechamento do corte no pescoço e de contato com sentimento de profundo alívio interior.


Helga volta ao tema do peso e fica mais claro o quanto a impressão de estar sujeita ao comando de “ter que fazer”, sem direito a se defender ou a fazer valer sua vontade, sem ter direito a palavra, aparentam ser agressão contra si mesma, contra o corpo que supostamente deseja cuidar. Agora que o assunto é processado sentese mais habilitada a recuperar palavra sobre o assunto e ao pensar na dieta, essa não ser mais percebida como uma imposição de fora para dentro, mas sim como opção, como forma de cuidar de si.


Hipoteticamente as tentativas de implementar uma dieta a contragosto podem provocar em termos inconscientes a impressão de um ataque da pessoa contra si mesma, de um gesto de violência, com consequente reações de defesa e de ativação crônica do sistema nervoso autônomo! O que não fica claro é em que medida esse equilíbrio entre sistema nervoso simpático e parassimpático sofre abalos que interferem no processo de dieta ou, se para mais além da díade simpático-parassimpático, outro nível prioritário neste caso seria o impacto no sistema nervoso entérico (SNE).


Também chamado de “segundo cérebro”, o sistema nervoso entérico opera de modo autônomo. Normalmente se comunica com o sistema nervoso central por meio do parassimpático (via parte dorsal do nervo vago, mais detalhadamente descrito por Stephen Porges em sua Teoria Polivagal) e pelo sistema nervoso simpático (via gânglios pré-vertebrais). Estudos mostram que mesmo quando seccionado o nervo vago, ou inoperante a espinha dorsal, o sistema nervoso entérico continua a funcionar. O SNE é capaz de funções autônomas, como a coordenação de reflexos peristálticos. Para seu estudo já foi batizada a neurogastroenterologia.


Seria o Brainspotting capaz de promover alterações nesse território predominantemente reflexo, via interferência na ativação vagal e em outras respostas cerebrais primitivas que almejam a manutenção da homeostase? Podemos considerar que no caso de Helga a dieta imposta implicaria o risco de perdas insuportáveis para o sistema, de modo que boa reação seria reter o gasto de calorias para tempos difíceis, como o que ocorre instintivamente com qualquer animal em estado de privação iminente. Diante disso, não seria possível levar adiante uma dieta por penalização apenas, e sim por escolha, por deliberação voluntária, que foi o que Helga se propôs, quase ao término da demonstração.


Diante dessa sequência do que observei, gostaria de acrescentar algumas ponderações sobre a evolução do treinamento em Brainspotting.


Um primeiro aspecto refere-se a mudanças longitudinais significativas da ênfase de DG quanto a uma ética terapêutica a ser privilegiada no treinamento. Comentei com ele o quanto nos primeiros treinamentos o motivador inicial parecia ser o encontro do ponto de ativação e o incentivo ao processamento, decorrente dessa primeira descoberta. É como se a atitude do terapeuta diante do paciente fosse a de um caçador de males, a serem extirpados prontamente e a permitir ao cérebro uma reorganização do melhor jeito possível.

Em outros treinamentos subsequentes fiquei com a impressão de essa conduta ter sido atenuada e o terapeuta demonstrar preocupação menos marcante com o modelo de ativação em prol de um modelo predominante de recurso, com ênfase nas habilidades do paciente, bem como cuidado adicional com a dosagem da ativação. Essa condução menos assertiva significava na prática o acolhimento de clientes mais frágeis que conseguem operar dentro de suas respectivas janelas de tolerância e os permite a abordagem de conteúdos mais ameaçadores. Essa reformatação oferece mais opções para os terapeutas administrarem os níveis variados de perturbação/ab-reação que podem ser disparados durante o processamento e a operarem em um campo mais amplo de demandas dos clientes com saídas e caminhos para além da ativação. Compõem essa dimensão do recurso o ponto de observação e o recurso corporal como ingredientes da abordagem com recursos.


Ainda nessa época já havia algum destaque para a amplitude do enquadre, tomado tanto como conceito diagnóstico quanto relacional. Nos pacientes mais resilientes o enquadre seria mais frouxo, com o terapeuta intervindo menos vezes e com mais confiança na capacidade do cliente de se regular. Os tempos de silêncio seriam maiores e o processamento mais centrado na atividade psíquica do cliente. Por outro lado, nos casos de pacientes mais frágeis, com menos recursos emocionais internos e relacionais, o enquadre seria mais restrito, com mais participação ativa e mais centrada nos terapeutas, mais interferência e menos tempo de silêncio entre uma e outra checagem de progresso do processamento.


Nessa última rodada de treinamentos, observo nova mudança no eixo de atenção de DG, com repercussões dessas mudanças para a conduta dos terapeutas no atendimento dos clientes. Por um lado, destaque nem tanto para ênfase no cliente ou no terapeuta, mas maior destaque para a importância da presença do terapeuta no relacionamento interpessoal terapêutico, quando DG afirma repetidas vezes ser a presença física e emocional do terapeuta, sintonizado com o processo do cliente o maior recurso de todos. Portanto, o terapeuta presente diante do cliente, ambos conscientes dessa presença, de modo a oferecer um acolhimento maior para o que o cliente deixa emergir e para servir como um ponto de retorno à divagação que por vezes o reprocessamento suscita.


Simultaneamente, DG enfatiza a importância da busca por um foco de intervenção que durante o processamento privilegie mobilização mais subcortical, com ênfase em reações emocionais e corporais reflexas, não tanto em elaborações narrativas, mais restritas à região cortical do cérebro.


De certo modo, portanto, quando pensamos no modelo oferecido pelo cérebro triuno, o processamento de aspectos traumáticos registrados em regiões evolutivamente cada mais primitivas do cérebro, ligadas ao tronco cerebral, seria cada vez mais profundo e curador dos traumas mantidos pelo cérebro. O processamento de aspectos físicos e reflexos, portanto, decorreria de ativação de regiões do tronco cerebral. O processamento de conteúdos mais emocionais do trauma corresponderia à elaboração de material ativado em nível do sistema límbico. Finalmente, a parte mais referente ao processamento racional, relacionado à fala e à lógica consciente corresponderia à ativação do neocórtex, evolutivamente mais recente e civilizado, interacional.


Poderíamos supor ser o reconhecimento da presença do terapeuta uma forma de viabilizar a retomada de um registro de vinculação, de apego no sentido de da Teoria de apego proposta por Bowlby, bem como a possibilidade de melhor transitar por essas faixas mais primitivas ou mais modernas do cérebro triuno.


Diante dessa multiplicidade de camadas cerebrais que o BSP pode aceder, mobilizar, e curar, podemos falar de uma atuação que perpassa transversalmente diversas regiões cerebrais, sendo aquelas mais corporais e reflexas as mais importantes de serem alcançadas no processamento, se comparadas com a elaboração discursiva.


O acesso a conteúdo mais profundo seria facilitado pela consciência da presença do terapeuta, cuja sintonia ajuda o cliente a recuperar aspectos interacionais vinculares de hemisfério direito mais frágeis no desenvolvimento físico e emocional. A consciência dessa presença abriria uma porta privilegiada para os registros de um mundo de hemisfério direito, predominantemente corporal e emocional. A elaboração verbal subsequente ocorreria via organização discursiva característica de hemisfério esquerdo. Apesar de DG enfatizar a dimensão subcortical do processamento, entendo que porta de entrada para esse conteúdo subcortical poderia se iniciar via hemisfério direito, com acesso a memórias nãoverbais, e porta de saída via discurso e lógica característicos do hemisfério esquerdo oferecem um modelo cíclico mais integrativo do circuito de processamento de conteúdo traumático.


Ainda em termos de modelo teórico, observo que DG privilegia mais recentemente a dimensão interpessoal do relacionamento terapeuta-cliente, com destaque do papel do terapeuta como estabilizador, o que seria nas palavras de Winnicott a sustentação (holding), de modo a interferir positivamente na janela de tolerância do cliente e a permitir o acesso à ativação de conteúdo mais traumático. Paradoxalmente, uma vez iniciado o processo, parcela significativa do foco de atenção do cliente deve se voltar para suas dimensões corporais e reflexas, não tanto para a ligação com o terapeuta, o que simula o processo também winnicottiano de conquista de autonomia relativa. Talvez valha a pena aprofundamento adicional do referencial analítico de Winnicott como uma leitura futura de leitura teórica do processamento.


Gostaria de finalizar esses comentários com retorno à demonstração e traçar uma distinção adicional do EMDR com o Brainspotting. No EMDR o terapeuta encontra com o cliente um alvo que serve como linha de base: ponto de partida e ponto de chegada ao término do trabalho. Nessa demonstração de Helga, o que observamos foi algo diferente: vários alvos foram processados em paralelo. Curiosamente, a multiplicação de alvos não comprometeu o processamento. Na verdade parecia que o ganho em determinado nível influenciava positivamente em outro, criando um circuito recursivo de retroalimentação. Assim, a recuperação de detalhes de memória do acidente automobilístico era acoplada à evolução da imagem do sonho, por sua vez com imagens mais estruturantes de um corpo menos lacerado. O processo se assemelharia à leitura de um livro com várias histórias paralelas que depois de um tempo convergem para a construção de um todo interrelacionado.


Se conseguimos alcançar com o cliente a ativação de seu sistema de processamento, focos correlatos podem ser tomados em paralelo, sem a necessidade de o terapeuta ter que se desgastar na escolha de um ponto de partida exclusivo: tudo o que for apresentado na entrevista ao início da sessão seria a antecipação desses retalhos inicialmente isolados de história e não precisaríamos ter o controle sobre esses temas, até mesmo porque a dimensão a ser alcançada seria pertencente a regiões subcorticais, regiões que dispensam discurso verbal. Dessa maneira, o Brainspotting abre espaço para o terapeuta lograr um processamento focal multifacetado.


Podemos, portanto, nos deter na distinção entre uma intervenção do EMDR mais focada em um alvo que serve como ponto de partida e como ponto de chegada – com destaque individualizado de um ponto de perturbação na cadeia associativa que mobiliza o sintoma atual.


Comparativamente, na descrição desta intervenção feita com Brainspotting no caso de Helga, observamos uma mudança paradigmática no processo da escolha do alvo, a saber: com a focalização paralela e simultânea de múltiplos pontos da cadeia associativa referente à queixa ativada. O Brainspotting se presta à possibilidade de processamento ao mesmo tempo focal, ao aprofundar o contato verbal - e principalmente não verbal do cliente em relação a determinado tema de ativação, bem como a elaboração de várias facetas simultâneas de determinado assunto ativado. Trata-se, portanto, de característica integrativa do Brainspotting, centrada nas necessidades emocionais e físicas do cliente, que engloba equilíbrio entre ativação e recursos do indivíduo na superação de suas dificuldades.


Um tema que se abre como possível fonte de investigação seria a necessidade de os terapeutas ampliarem foco de atenção diante de tantas possibilidades a serem acompanhadas em paralelo e de como priorizarem um ou outro subitem das cadeias associativas, entendidas essas não somente como composições puramente de memórias cognitivadas de hemisfério esquerdo, mas com conexões ligadas a memórias emocionais e corporais, típicas de hemisfério direito. Focalizações de reflexos provenientes de regiões sub-corticais contribuiriam para redefinição e maior integração dessas cadeias.


Em relação às referências destacadas neste texto, enfatizo os modelos teóricos de Bowlby e Winnicott como possíveis contribuições para a prática do Brainspotting. Além das vertentes psicanalíticas, cabe ainda investigar e quem sabe integrar a importância ainda não-explorada do sistema nervoso autônomo entérico, participante ativo do equilíbrio simpático/parassimpático, bem como avanços adicionais nos estudos de neurobiologia interpessoal. Diante dessas construções abstratas e fisiológicas podemos avançar na elaboração adicional de referencial que melhor oriente os terapeutas e que corresponda à força prática e versátil do Brainspotting.


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